O título original desta produção franco-canadense é irônico (“Simple comme Sylvain”/Simples como Sylvain) para uma história de complexidade pouco comum para os limites da comédia romântica. Sophia, quarenta anos, não se contenta em viver a relação somente intelectual que mantém com o marido há mais de dez anos. Ela fica mais forte quando conhece Sylvain, um homem bonito, barbudo, viril, sexy.

Trata-se de um choque entre duas classes sociais com capitais culturais bem distantes. Vamos nos poupar da lição de sociologia (Pierre Bourdieu, é o nome) porque qualquer julgamento ou desprezo é posto de lado. Na verdade, aqui na nossa história o amor e o casal se combinam sem qualquer toxicidade. A infidelidade feminina raramente é tratada desta forma no cinema. Sophia sufoca e começa a encontrar o seu lugar numa vida paralela, primeiro escondida, depois realizada como mulher de hoje, emancipada tanto quanto possível.

O fenômeno quebra estereótipos entre os dois principais protagonistas. Sophia deixa-se seduzir e Sylvain aceita descobrir o mundo intelectual de sua namorada. Por certo esta é uma comédia romântica, que no entanto quebra um pouco as regras. Ela vai mais além do que bordar um simples encontro romântico. Aqui, uma mulher (casada, da academia, burguesa, urbana) conhece um homem (solteiro, prestador de serviços domésticos tipo marido de aluguel, pouco culto, de origem camponesa). É amor à primeira vista. Eles dormem juntos. E como o sexo com o marido é fogo apagado e completamente inexistente, e aí é fabuloso, porque nossa heroína se envolve em uma protelação sem fim. Mais nada a dizer, por ora. O publico ri, temos cenas um pouco quentes (mas não é uma câmera voyeur), nos emocionamos. Funciona bem.

Específico do generoso e desde já cult cinema da diretora canadense Monia Chokri (ela tem somente dois longas, inéditos em Londrina), os diálogos são fortes e as cenas volúveis. O ritmo da produção é frenético, como esse amor à primeira vista. O espectador compreende facilmente a onda de emoções que toma conta da heroína. Esse distúrbio sentimental é abordado pelas aulas noturnas que Sophia ministra. O tema é a filosofia do amor. Aulas com citações de Platão, Jankélévitch e Spinoza aparecem, estruturam e evidenciam o questionamento que presenciamos. A maioria são teorias masculinas do amor. A teórica americana bell hooks (assim mesmo, com minúsculas, como ele queria que a chamassem) chega para bater o martelo quase ao final da jornada.

Amor como ação, como escolha, como decisão. Simples, como Sylvain. O que “A Natureza do Amor” – de segunda (27) a sábado da próxima semana no Ouro Verde – nos mostra é, em última análise, uma visão matizada do amor e do que o sentimento pode se tornar. A diretora, apaixonada por seus personagens, mostra o que o desejo feminino quer e pode. É um amor óbvio, transcendental e sensual à primeira vista, onde uma alquimia ardente irrompe pela tela. Devemos destruir as classes sociais, dissecar o modelo romântico do casal e o que os leva a desenvolver todo o seu potencial.

Um subtema a considerar é certamente fonte de comédia (mas nem sempre a mais sutil: quando cada um conhece a família do outro), mas também, de certa forma, de uma reflexão sobre o potencial impasse de uma vida sustentável. Sexo sim, mas do dia a dia para a vida toda ? Monia Chokri, pela primeira vez, dá sua resposta. O choque de civilizações talvez esteja aqui, na realidade...

“A Natureza do Amor” é um bom filme, que nos emociona e nos convida a refletir com ele. É provavelmente uma pena que este encontro de duas classes se baseie num certo número de clichês (a classe alta arrogante, o caipira mal vestido, o acadêmico de esquerda, o caipira da pena de morte, o acadêmico que sabe que ela é superior, a sem instrução que sabe que é desprezada, a burguesa sexy mas correta que ganha uma camisola vulgar do amante).

Provavelmente teremos que passar por isso para ter uma demonstração que funcione, certamente. Para pensar: há um lacuna a preencher ou não, o amor se impõe a você ou decidimos estar apaixonados ? Obviamente, não temos a resposta. Mas existe uma ? O amor existe mesmo ? A resposta pode ser amar e amar melhor, todo um projeto de vida.