Um dos pontos mais interessantes de “A Mulher Rei”, em exibição no sistema Multiplex em Londrina, é o quanto o filme conhece as dimensões do seu alcance como obra artística. Com orgulho explícito, ele utiliza uma construção antiquada – este é com certeza um épico de espada e sandália no velho estilo daquela Hollywood aventureira – mas sempre combinado com o revigorante frescor de sua perspectiva.

Drama (às vezes sem qualquer demérito ao se assumir melodrama) originário da história com H, “The Woman King” é testemunho robusto de como uma forma séria pode se sentir renovada quando é estendida para abranger diferentes narrativas.

Dirigido por Gina Prince-Bythewood (53, negra, 22 anos de carreira), “A Mulher Rei” se passa na década de 1820, no reino de Dahomey, atual Benin, ex-colônia francesa na África Ocidental. No trono está o rei Ghezo (John Boyega), em guerra contra inimigos de reinos próximos que tem nos negros comprados pelos colonizadores europeus a sua fonte de renda. Ele é absorvido por um círculo de esposas, deixando coisas complicadas como as guerras para o Agojie, lendária legião de mulheres guerreiras, renomadas por suas proezas militares.

Dahomey enriqueceu por causa do tráfico de escravos, o que o coloca em um contexto moral desconfortável. “A Mulher Rei”, ciente e consciente dessa história tempestuosa, toma seus cuidados ao abordá-la. O que poderia ser um somente um filme contundente e arrasador sobre batalhas recebe uma textura mais reflexiva de Prince-Bythewood, da roteirista Dana Stevens e de um forte ensemble de atores.

Ostensivamente na liderança está Viola Davis, no momento um titã da indústria do entretenimento e que, no entanto, teve poucas oportunidades preciosas para encabeçar um filme de grande estúdio como este. Como Nanisca, a general do Agojie, Davis está em seu elemento de fortaleza, severo mas acessível.

"A Mulher rei" se passa em 1820, no reino de Dahomey, atual Benin, na África Ocidental
"A Mulher rei" se passa em 1820, no reino de Dahomey, atual Benin, na África Ocidental | Foto: Divulgação

Talvez o verdadeiro protagonista do filme, porém, seja Nawi (Thuso Mbedu), uma adolescente voluntariosa entregue pelo pai ao Agojie. O treinamento-iniciação da garota, que “A Mulher Rei” retrata em cenas afetivamente familiares aos fãs de todos os tipos de filmes, de “Spartacus” a “Top Gun”. A atriz,de fato uma revelação, ilustra bem a independência impetuosa de Nawi e seu crescente senso de dever para com suas irmãs guerreiras.

A luta é registrada com muito mais força porque o espectador passa um bom tempo de inatividade com essas mulheres guerreiras. Ainda assim, a personagem de Viola Davis poderia ser mais desenvolvida, mesmo que em cena o velho melodrama resgatado dos anos 1950/60, com o trauma do passado da heroína afetando seu presente.

O roteiro não faz o suficiente para aprimorar e aprofundar essa história. Nanisca permanece indecifrável, apesar da presença magnética de Davis. E um romance superficial – ou algo próximo a isso – é encaixado no filme, mas poderia ter sido descartado inteiramente. Às vezes parece que “The Woman King” gostaria de ter ampliado e reforçado sua ambição. E todas essas nuances acabam não cabendo satisfatoriamente em duas horas 11 minutos.

*Confira a programação de cinema no site da FOLHA.

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