São Paulo, 20 (AE) - Zelito Viana gosta de repetir a definição que ouviu de Turíbio Santos, diretor do Museu Villa-Lobos, do Rio, primeiro músico a gravar os 12 estudos para violão do artista e consultor do diretor musical Sílvio Barbato, sobre a produção que entrou em cartaz hoje. Falando sobre "Villa-Lobos, uma Vida de Paixão, Santos disse que a imagem do compositor daqui para a frente não será mais a da realidade, mas a do filme. Santos declarou-se impressionado com a interpretação de Antônio Fagundes. "Ele incorporou o Villa", diz o violonista. "É tudo perfeito - os gestos, a maneira de falar, de se movimentar; conheci pessoalmente o Villa e, com o Fagundes
tive a sensação de reencontrá-lo."
Apesar do entusiasmo de Santos e dos muitos méritos da produção, realmente cuidada, não se pode dizer que Zelito mereça nota 10. O filme é mais cansativo do que estimulante. Mas o cineasta esforçou-se para expressar na tela o gênio de Villa-Lobos. Seu filme é resultado de uma pesquisa exaustiva que consumiu 15 anos. Sem presunção, o diretor disse que estudou tanto o personagem que é hoje a maior autoridade sobre Villa-Lobos no País.
E, no entanto, quando ele começou, não sabia nada. Seu primeiro contato com o autor das "Bachianas" foi por meio do cinema, com a utilização que Gláuber Rocha fez da música de Villa na trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol". Antes disso, Zelito só sabia sobre Villa as histórias que o sogro lhe contava - foi o advogado que tratou da separação litigiosa do compositor e de sua primeira mulher, Lucília. Anos mais tarde, ainda nos 70, Zelito tentou convencer Gláuber para que ambos fizessem um filme sobre o nacionalista universal, que inventou a música erudita brasileira pesquisando as raízes da música do Brasil. Gláuber deu a maior força para que o próprio Zelito assumisse a direção.
A idéia voltou mais forte em 1985, com a proximidade, em 1987, do centenário de nascimento de Villa-Lobos. Zelito começou a levantar a produção, a escrever o roteiro. Ia fazer o filme com Armando Bógus, Lucélia Santos e Marieta Severo. No começo dos 90, estava tudo pronto quando sobreveio o terremoto Collor. Passaram-se mais dez anos antes que Zelito conseguisse concretizar o filme que agora chega aos cinemas.
O roteiro de Joaquim Assis debruça-se sobre a extensa pesquisa coordenada por Cláudia Furiati. Como o diretor diz, "não queria fazer um filme simplesmente biográfico, mas viajar pelo cérebro de um criador". E ele vai adiante, explicando o conceito: "Filmar a vida de Villa não é só falar sobre um dos gênios da história da música; sua trajetória também pode ajudar na difícil tarefa de reconciliação do Brasil com seu povo - identificando suas potencialidades, reconhecendo sua força, beleza, originalidade e tradição."
Ao contar a história de Villa-Lobos, Zelito nunca quis minimizar a importância de Lucília. Defrontou-se com um muro de silêncio, quase de hostilidade. No Museu Villa-Lobos, que abriga 30 mil documentos e objetos que pertenceram ao artista, Lucília quase não existe. Falso, mas compreensível, pois o museu foi uma criação da segunda mulher de Villa, Arminda, a Mindinha. Turíbio Santos vê aí um dos méritos do filme - o restabelecimento de uma verdade histórica. "Lucília ajudou na criação do gênio; Mindinha, o grande amor de Villa, foi fundamental na preservação de sua memória."
Três atores revezam-se no papel - André Ricardo, que faz Villa quando criança, Marcos Palmeira e Antônio Fagundes. O filme começa com o último. Fagundes teve elementos para compor sua caracterização. A fase de Villa que ele cobre, da maturidade à morte, é documentada, até em filmes. A fase inicial, de Marcos Palmeira, foi mais difícil. "Esse é o Villa que teve de ser inventado, pois não está tão bem documentado", diz o diretor. Quando ele elogia Palmeira, não é o pai orgulhoso do filho. É o diretor satisfeito com a contribuição que lhe deu o ator. Letícia Spiller é Mindinha e Ana Beatriz Nogueira faz Lucília, em seu primeiro grande papel desde a premiação em Berlim por "Vera", de Sérgio Toledo.
Por mais trabalhosos que tenham sido esses 15 anos, Zelito acha que também foram proveitosos. "Pude elaborar melhor o roteiro, aprofundar a pesquisa iconográfica e a musical; adquiri mais confiança sobre o personagem e sua época." Pronto, o roteiro foi submetido a um especialista, o americano Syd Field
que faz consultoria para Hollywood. Field bateu forte. Achou o roteiro bem escrito e estruturado, mas considerou o personagem insatisfatório. "Ele não age, só reage", observou. E disse mais: o filme começava com a imagem de Mindinha no espelho. "De quem você está contando a história - dela ou dele?" Coisas simples, até óbvias. Field deu sugestões importantes que foram incorporadas ao roteiro final, dando nova dimensão à personalidade do biografado.
Levantar o dinheiro não foi fácil. Zelito acha que as leis de incentivo atiram todo o poder de decisão para executivos que pouco entendem do assunto. Reclama da falta de informação sobre diretores como ele, que pode ter passado os últimos 15 anos voltado só para esse projeto, mas tem 40 anos de currículo e diversos filmes para mostrar. "A lei trata o veterano com o mesmo peso de qualquer principiante", critica. A própria estrutura do roteiro - não um flash-back tradicional, mas sucessivas viagens no tempo e no espaço - não ajudava nas negociações.
"Ver no filme a cara do Marquinhos e do Fagundes ajuda a fazer a diferença, mas no papel parecia confuso", diz o diretor. Para os padrões brasileiros, foi um filme caro. Zelito já gastou R$ 6 milhões, que estão na tela. Ele ainda pode captar R$ 800 mil, para pagar as despesas de finalização. "Estou endividado", diz.
Endividado, mas feliz. Sabe que fez um filme tecnicamente irrepreensível. Walter Carvalho, o diretor de fotografia de "Central do Brasil, usou pela primeira vez no País os modernos equipamentos Panavision para filmar em 35 mm, com janela cinemascope. O diretor de som, o italiano Giovanni Di Simoni, que trabalha em Los Angeles, recorreu a um equipamento de captação de última geração. "Nosso filme talvez tenha sido um dos dez primeiros no mundo a usar o Nagra Digital", explica. Nada mais importante. Um filme sobre um músico como Villa tem de ter o melhor som. Serviço -Villa-Lobos, uma Vida de Paixão. Drama. Direção de Zelito Viana. 14 anos