Não há quem não se beneficie da velocidade com que as coisas acontecem no mundo contemporâneo. Graças aos novos incrementos tecnológicos – diários! –, podemos combater moléstias, ganhar energia, driblar dificuldades, erguer moinhos que auxiliem no trabalho, na escola, nas tarefas domésticas etc. A velocidade do novo ajuda na organização da vida. É provável que não haja saudosistas das adversidades, nostálgicos do tempo em que tudo era muito mais difícil e arriscado.

A pressa com que tudo ocorre, entretanto, deixa espaço para um outro tipo de saudade. A vertigem atual nos tira o momento do apreciar, do sentir, do aprender observando. Além disso, a velocidade é barulhenta, não permite que boas conversas sejam praticadas aqui ou acolá. O barulho interrompe tudo: o bate-papo, o sono e a tranquilidade de contemplar o movimento das quatro estações.

Nos modelos antigos de sociabilidade, as normas de conduta, as leis, os hábitos, o modo de falar ou de se vestir, os estilos artísticos, os valores culturais, tudo revelava uma incrível capacidade de perdurar. Havia mudança, é claro, mas tudo era sempre muito mais devagar.

É desta velocidade que se fala hoje em dia: do tipo que tudo atropela, tudo desmancha e transforma em pó. Existe uma pressão que sabota o tempo e coloca todos contra todos, numa competição desenfreada. Aqueles que conseguirem ser mais rápidos terão os melhores benefícios. A recompensa pode ser em status ou dinheiro – e é bem possível que seja nas duas modalidades.

A vertigem pós-moderna é uma luta contra o movimento dos ponteiros do relógio. Para que nos tornemos competitivos, nossos movimentos estão em questão. Vivemos correndo. Saímos de casa correndo, corremos o dia inteiro, e voltamos para casa correndo, exaustos, sem tempo para mais nada. O tempo, assim, torna-se um luxo, um recurso de poucos. Quem dispõe de tempo para ler um bom livro, curtir uma saudável refeição, cultivar amigos, de um modo ou de outro, é milionário.

Algumas perguntas ficam no ar: nas condições em que estamos sendo obrigados a viver, ainda que possamos tirar algum proveito de tudo, não nos é cobrado um preço alto demais? Que tipo de vida levamos ao passar os dias a correr, competir, distinguirmo-nos uns dos outros na luta contra o tempo? A velocidade das informações não nos impede de absorvermos um conhecimento mais profundo das coisas? Não será meio vazio o conhecimento que vive a correr de cabeça em cabeça, sem exigências, sem contrapartidas de memória ou reflexão? O ritmo estremecido dos dias não nos empobrece em termos de inteligência e sensibilidade?

Respostas a essas perguntas exigem tempo (tudo que não temos). Só podem ser oferecidas em condições sem vertigem, sem a loucura em que se transformaram os ambientes de estudo e trabalho. É preciso reelaborar as bases de nossos processos de socialização, tornando-os mais envolventes. A tarefa é árdua, mas nossa humanidade depende de sua realização.

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. | Foto: iStock

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