Numa época em que a intolerância religiosa mostra suas garras em várias partes do país, torna-se necessário construir a tolerância.

Visando estimular essa construção, a editora Atrito Arte acaba de lançar “A Umbanda na Terra do Café”. De autoria do dramaturgo londrinense Maurício Arruda Mendonça, trata-se do primeiro livro que procura traçar um panorama da trajetória da religião afro-brasileira em Londrina.

LEIA MAIS:

O Oscar e os (bons) filmes distantes do público

Idealizado pela Atrito Arte, Artistas e Produtores Associados (AARPA) em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Religiões e Religiosidades (LERR) do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a obra integra um projeto maior – envolve documentário e ciclo de debates sobre espiritualidade e tolerância.

Além de apresentar a história cultural da religião, “A Umbanda na Terra do Café” traz o depoimento de 11 pais e mães de santo responsáveis por terreiros de várias regiões da cidade. Grande parte dos depoimentos aponta a desinformação, o desconhecimento e o preconceito como principais geradores de intolerância religiosa.

Para o autor, informar o que é a Umbanda pode fazer com que se elimine o preconceito infundado contra ela: “Que ela seja encarada como qualquer outra religião, e uma aliada na construção da paz, na prática do amor e do bem estar das pessoas que buscam a espiritualidade.”

A seguir, Maurício Arruda Mendonça fala sobre o sincretismo e as origens da intolerância.

Imagem ilustrativa da imagem Umbanda na Terra do Café: sincretismo e intolerância
| Foto: Yashiro Imazu/Divulgação

A Umbanda é uma religião estruturada no sincretismo de crenças índigenas, africanas e europeias. Nesse sentido ela pode ser considerada uma religião tipicamente brasileira?

O sincretismo é um fenômeno que ocorre nas religiões em geral, como assimilação da celebração “pagã” do solstício de inverno no hemisfério norte transformado na festa do Natal cristão. No caso da Umbanda há também essa fusão: primeiramente os indígenas mesclaram seus rituais de transe, suas danças, práticas de cura e o culto aos ancestrais aos ritos da missa e da religião católica. Depois os escravizados africanos, também praticantes de uma religiosidade do transe, de ritos com tambor e danças, encontraram-se com as práticas dos indígenas e também se acomodaram às ritualísticas católicas, em boa parte como estratégia de resistência à desumanização da escravidão. Dado importante é que a formação das religiões é indissociável da formação do povo brasileiro. De fato, a Umbanda é uma religião brasileira, oficialmente “fundada” em 1908 por Zélio Fernandino de Moraes e depois debatida, desenvolvida e sujeita a diferentes vertentes defendidas por lideranças religiosas importantes como Tata Tancredo, Matta e Silva, Rivas Neto entre outros.

A Umbanda praticada em Londrina possui alguma particularidade cultural que a diferencia daquela praticada em outras localidades?

A Umbanda é uma religião que se distingue pela multiplicidade de rituais. Não possui dogmas, sistematização rigorosa, mas preserva a sua essência e seus valores éticos. Cada mãe ou pai de santo possui um ritual próprio, determinado por seu guia espiritual, e que melhor se corresponda à sua forma de trabalhar e atender as pessoas no terreiro. O correto talvez seria dizer “as Umbandas” no plural, não no singular que sugere uma unidade. De qualquer forma, não é possível afirmar que a Umbanda de Londrina tenha uma particularidade que a distinga das demais praticadas em outros lugares. Quem sabe, tal como outras umbandas praticadas no interior do país, a umbanda de Londrina não tenha tanto a presença de entidades como os Marinheiros, que se manifestam com mais frequência nos terreiros do litoral. Mas isso não é uma regra absoluta. Outro ponto importante que não nos autoriza falar de particularidades da Umbanda londrinense é que nossa pesquisa foi introdutória e modesta, uma pequena amostra com onze pais e mães de santo, num contexto que é bem maior.

Maurício Arruda Mendonça: "A Umbanda e também o Candomblé são as duas religiões que mais sofrem com a intolerância, e não raro seus fiéis são agredidos"
Maurício Arruda Mendonça: "A Umbanda e também o Candomblé são as duas religiões que mais sofrem com a intolerância, e não raro seus fiéis são agredidos" | Foto: Valéria Félix/ Divulgação

A Umbanda é uma das religiões brasileiras que mais sofre com a intolerância religiosa. A que fatores você atribui essa intolerância?

Sim, a Umbanda e também o Candomblé são as duas religiões que mais sofrem com a intolerância, e não raro seus fiéis são agredidos. Talvez a Umbanda não sofra tanto em alguns estados do nordeste, principalmente na Bahia, onde seus praticantes podem ter relativo sossego. Infelizmente é comum os umbandistas terem seus terreiros apedrejados, terem de aturar pessoas gritando durante os cultos com palavras racistas, entre outros atos que desrespeitam a liberdade de culto que está garantida na Constituição. Há, infelizmente, um conteúdo racista na intolerância contra a Umbanda e o Candomblé. Trata-se de um atraso humanitário de 400 anos... Todos os onze pais e mães de santo entrevistados atribuem a intolerância contra a Umbanda ao desconhecimento, à desinformação sobre ela e, finalmente, por um preconceito cego contra uma religião de matriz africana. Mas as causas da intolerância por parte especialmente dos cristãos são duas: a primeira é que a Umbanda invoca espíritos, o que é proibido segundo o cristianismo. Contudo, é preciso lembrar que a Umbanda é uma religião com elementos cristãos, em que se reza o Pai-nosso e se cultua a Virgem Maria em seus rituais, além de adotar princípios do Evangelho. A segunda é que a Umbanda cultuaria o demônio, na forma de Exu, o que é uma impropriedade. É preciso reiterar que no sistema religioso africano não existe a figura específica de um Anjo caído, inimigo de Deus, um dispensador de malefícios contra a humanidade. Tudo o que o Oxalá faz é bem feito, e ele não criou uma entidade inimiga dele ou o demônio para desencaminhar o homem da salvação de sua alma. As religiões de matriz africana buscam, em última análise, o bem, a cura, o amor e a vida com alegria.

E por que essa intolerância vem se acentuando nos últimos anos?

Porque houve uma explosão do número de igrejas e cultos fundamentalistas, que tentam domesticar o impulso religioso natural do homem incutindo o medo, a ameaça, a reprovação da diferença e a negação da pluralidade da vida humana. Muitas delas são inconsistentes teologicamente, não buscam ensinar a prática do amor a todas as pessoas indistintamente, mas apenas aos seus iguais – o que é uma grave negação da mensagem de Jesus Cristo. Então, qualquer religião diferente da “norma” cristã que eu pratico é minha inimiga. Sobretudo, uma religião como a Umbanda, que é uma religião minoritária, e antigo alvo de difamação por desconhecimento e racismo. Em comparação com as religiões cristãs hegemônicas, é preciso ter coragem para afirmar-se umbandista. Um umbandista não consegue andar de branco sem ser “mal visto”. Mas há boas notícias. A internet tem ajudado muito nesse sentido, pois há grande quantidade de informação de qualidade sobre a Umbanda. E, o que é melhor: mais e mais jovens de cabeça aberta querem saber o que é a Umbanda, em busca de compreender sobre a ancestralidade, sobre uma religião brasileira. Aos poucos as pessoas vão aprendendo que os preceitos da Umbanda são a humildade, a caridade, a paz e o amor, valores idênticos a todas as demais religiões.

Serviço:

“Umbanda na Terra do Café – Entre Trajetórias e Histórias Para a Construção da Tolerância”

Autor – Maurício Arruda Mendonça

Fotos - Yashiro Imazu

Editora – Atrito Arte

Páginas – 108

Quanto – R$ 50

Patrocínio – Promic

Onde encontrar – Pedidos pelo whatsapp (43)99941-7414

Documentário disponível no YouTube: