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CINEMA 5m de leitura

“Uma Mulher do Mundo”: retrato de uma profissional do sexo

Em exibição em Londrina, drama francês examina com frieza como a força das emoções contradiz princípios morais em um mundo de escolhas

ATUALIZAÇÃO
14 de março de 2023

Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem “Uma Mulher do Mundo”: retrato de uma profissional do sexo

“Une Femme du Monde” foca em uma profissional do sexo que parece desesperada, mas não da maneira que você possa imaginar. Atualmente muito solicitada, prolífica e ótima atriz, Laure Calamy, da minissérie “Dez por Cento” e vista há duas semanas no mesmo Cine Ouro Verde em “Contratempos”, traz sua habitual presença confiante, determinação perspicaz e força de caráter para o papel de Marie, mãe solteira e trabalhadora autônoma do sexo que há muito superou as preocupações convencionais sobre se a sua atividade laboral é boa ou ruim, para ela ou para os outros.

Embora, por conveniência, ela diga à maioria das pessoas que é cabeleireira em casa, a personagem não esconde a verdade quando realmente importa – em protestos públicos, com seu filho Adrien (Nissim Renard) ou com seu gerente de banco. Seu desespero no momento é de um tipo mais normativo: aos 17 anos, o filho não está indo a lugar nenhum. O desejo do rapaz de se tornar chef já se frustrou uma vez, quando foi expulso de uma escola de culinária em Strasbourg. Embora ela esteja brava com o rapaz, Marie acredita que ele merece mais. Quando um cliente conta a ela sobre outra escola de culinária de prestígio que não se importa com as notas baixas, enviar Adrien para lá se torna sua razão de ser.

Mas passar no vestibular é uma coisa; pagar a mensalidade de 9 mil euros é outra. Enquanto luta para juntar o dinheiro, Marie é forçada a conviver com a hostilidade contra as profissionais do sexo, hostilidade sempre historicamente enraizada na sociedade francesa e na lei (ela não consegue empréstimo bancário, por exemplo). Sua luta a leva a um clube miserável em Offenbourg, na Alemanha, onde pode ganhar dinheiro rápido desde que dê uma parte ao patrão.

É uma situação ruim, que encoraja a competição acirrada entre trabalhadores que estão lutando. A abordagem prática da diretora Cécile Ducrocq confere dignidade a seus personagens simplesmente por nunca sair de um caminho traçado para provar o óbvio: que são seres humanos complexos que estão simplesmente fazendo seu trabalho. Mas além do retrato frio e documental de um entorno frequentemente sensacionalista, “Uma Mulher do Mundo” também é interessante como retrato antropológico de sua protagonista que, apesar de ser uma progressista e sofisticada “femme du monde” – conforme o título original do filme –, chega perigosamente perto de abandonar todos os seus princípios em favor de uma abordagem, digamos, tipo o fim justifica os meios. Ela agiria dessa maneira se tivesse conseguido o dinheiro por outros meios ? Talvez não. Enviar o filho para a escola de culinária justifica esse comportamento ? A própria Marie não tem certeza.

Sem panfletagem didática sobre o que é certo e errado, o roteiro permanece imparcial quando as ações de Marie melindram outras pessoas. Ela é responsável pela atração das emoções humanas e pela forma como o trabalho sexual não existe puramente como conceito abstrato, ou – embora seja trabalho – como algo que pode ser separado do resto da experiência vivida por ela.

Essencialmente conduzido pela sinergia da intérprete Laure Calamy, excelente como sempre, “Uma Mulher do Mundo” marca a estreia simpática da diretora Cécile Ducrocq. Com alguns toques “clássicos” diretos ao coração (a relação mãe-filho, tempestuosa e amorosa), a cineasta traça o retrato de uma linha de trabalho de relativa normalidade, mas paradoxalmente permanece tímida em sua descrição do trabalho sexual, suavizando seus aspectos mais difíceis. É um compromisso bem-intencionado, compreensível pelo objetivo de atingir o maior público possível, mas que coloca o filme a uma distância considerável dos grandes títulos já realizados sobre o mesmo tema.

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