“Une Femme du Monde” foca em uma profissional do sexo que parece desesperada, mas não da maneira que você possa imaginar. Atualmente muito solicitada, prolífica e ótima atriz, Laure Calamy, da minissérie “Dez por Cento” e vista há duas semanas no mesmo Cine Ouro Verde em “Contratempos”, traz sua habitual presença confiante, determinação perspicaz e força de caráter para o papel de Marie, mãe solteira e trabalhadora autônoma do sexo que há muito superou as preocupações convencionais sobre se a sua atividade laboral é boa ou ruim, para ela ou para os outros.

Embora, por conveniência, ela diga à maioria das pessoas que é cabeleireira em casa, a personagem não esconde a verdade quando realmente importa – em protestos públicos, com seu filho Adrien (Nissim Renard) ou com seu gerente de banco. Seu desespero no momento é de um tipo mais normativo: aos 17 anos, o filho não está indo a lugar nenhum. O desejo do rapaz de se tornar chef já se frustrou uma vez, quando foi expulso de uma escola de culinária em Strasbourg. Embora ela esteja brava com o rapaz, Marie acredita que ele merece mais. Quando um cliente conta a ela sobre outra escola de culinária de prestígio que não se importa com as notas baixas, enviar Adrien para lá se torna sua razão de ser.

Mas passar no vestibular é uma coisa; pagar a mensalidade de 9 mil euros é outra. Enquanto luta para juntar o dinheiro, Marie é forçada a conviver com a hostilidade contra as profissionais do sexo, hostilidade sempre historicamente enraizada na sociedade francesa e na lei (ela não consegue empréstimo bancário, por exemplo). Sua luta a leva a um clube miserável em Offenbourg, na Alemanha, onde pode ganhar dinheiro rápido desde que dê uma parte ao patrão.

É uma situação ruim, que encoraja a competição acirrada entre trabalhadores que estão lutando. A abordagem prática da diretora Cécile Ducrocq confere dignidade a seus personagens simplesmente por nunca sair de um caminho traçado para provar o óbvio: que são seres humanos complexos que estão simplesmente fazendo seu trabalho. Mas além do retrato frio e documental de um entorno frequentemente sensacionalista, “Uma Mulher do Mundo” também é interessante como retrato antropológico de sua protagonista que, apesar de ser uma progressista e sofisticada “femme du monde” – conforme o título original do filme –, chega perigosamente perto de abandonar todos os seus princípios em favor de uma abordagem, digamos, tipo o fim justifica os meios. Ela agiria dessa maneira se tivesse conseguido o dinheiro por outros meios ? Talvez não. Enviar o filho para a escola de culinária justifica esse comportamento ? A própria Marie não tem certeza.

Sem panfletagem didática sobre o que é certo e errado, o roteiro permanece imparcial quando as ações de Marie melindram outras pessoas. Ela é responsável pela atração das emoções humanas e pela forma como o trabalho sexual não existe puramente como conceito abstrato, ou – embora seja trabalho – como algo que pode ser separado do resto da experiência vivida por ela.

Essencialmente conduzido pela sinergia da intérprete Laure Calamy, excelente como sempre, “Uma Mulher do Mundo” marca a estreia simpática da diretora Cécile Ducrocq. Com alguns toques “clássicos” diretos ao coração (a relação mãe-filho, tempestuosa e amorosa), a cineasta traça o retrato de uma linha de trabalho de relativa normalidade, mas paradoxalmente permanece tímida em sua descrição do trabalho sexual, suavizando seus aspectos mais difíceis. É um compromisso bem-intencionado, compreensível pelo objetivo de atingir o maior público possível, mas que coloca o filme a uma distância considerável dos grandes títulos já realizados sobre o mesmo tema.

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