Já cultuado pela crítica especializada e reconhecido pelo público como um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos, Cartola foi convidado para gravar seu primeiro disco apenas aos 65 anos de idade. A estreia do mestre carioca no mercado fonográfico nacional foi um dos grandes feitos da Discos Marcus Pereira: a primeira gravadora independente do Brasil. Fundada há 45 anos, a empresa pioneira possui um dos mais ricos acervos discográficos do país e editou entre os anos 1973 e 1981 cerca de 140 álbuns com pérolas musicais de artistas do mais diversos estilos.

O curitibano André Picolloto é o autor do livro que narra a história de uma experiência musical intensa que deu obras-primas aos fãs da MPB
O curitibano André Picolloto é o autor do livro que narra a história de uma experiência musical intensa que deu obras-primas aos fãs da MPB | Foto: Divulgação



A trajetória da gravadora que também lançou o primeiro disco de Paulo Vanzolini, Elomar, Quinto Armorial e de diversas trilhas sugeridas por Mário de Andrade, com registros de manifestações folclóricas de todas as regiões do Brasil, está registrada no livro "Discos Marcus Pereira - Uma História Musical do Brasil", recém-lançado pela Editora Pizindim.

A publicação é assinada pelo curitibano André Picolotto, que começou a se interessar pela história da música popular brasileira na adolescência, quando frequentava os sebos da capital paranaense, onde morava. Foi nesses "túneis do tempo", que ele descobriu os lendários LPs de Cartola, Donga e Elomar da Marcus Pereira e um livro sobre a história do Jogral, bar em São Paulo onde muitos músicos se reuniam e local onde nasceu a ideia de fundar a Gravadora Marcus Pereira.

As pesquisas sobre a primeira gravadora independente do Brasil se aprofundaram durante o curso de jornalismo que o autor cursava na Universidade Federal de Santa Catarina e acabaram sendo objeto de estudo do seu trabalho de conclusão de curso, apresentado em 2016. O livro narra a iniciativa do visionário Marcus Pereira, que trocou 17 anos de publicidade e endividou-se para lançar música popular que julgava ignorada pelas grandes gravadoras.

A publicação é dividida em seis capítulos que trazem o registro de variadas doses de paixão, dificuldades financeiras e políticas, amizade, descaso e muito idealismo. O primeiro capítulo conta a história do primeiro LP de Cartola lançado pela gravadora. O segundo foca na atuação de Marcus Pereira como publicitário; o terceiro traz a cartografia sonora do mapa musical do Brasil. O quarto capítulo destaca os lançamentos do selo Marcus Pereira. O quinto comenta as matérias publicadas pela imprensa sobre o trabalho da gravadora. E, por fim, o sexto e último capítulo do livro se atém ao acervo da gravadora.

Picolotto afirma que dentre os fatos apurados, um dos que mais chamaram sua atenção foi a transição entre os tempos do bar O Jogral e o começo oficial da gravadora. "Os sócios da agência Marcus Pereira Publicidade, o Aluízio Falcão e o Marcus começaram a gravar discos de amigos, frequentadores e músicos do lugar, como Paulo Vanzolini, Chico Maranhão e Renato Teixeira, e depois os distribuíam de graça", ressalta.

Em relação à lista de acervo da gravadora, o autor do livro cita um trabalho lançado em 1972, quando os dois publicitários resolveram bancar uma pesquisa 'in loco' de música popular nordestina, tocada pelo Hermilo Borba Filho e o Quinteto Violado. "O resultado foi Música Popular do Nordeste, caixa de 4 LPs cheios de frevos, cocos, emboladas, bandas de pífano, cirandas, com parte das músicas captada ao vivo, parte retrabalhada em estúdio. O sucesso crítico desse trabalho monumental de documentação cultural e folclórica, feito sem qualquer objetivo comercial, as cópias ainda distribuídas de graça, representou o fim da agência de publicidade e o nascimento da Discos Marcus Pereira. Sempre me fascinou esse salto: dos discos nascidos da boêmia à redescoberta ambiciosa do Brasil por via da música popular", enfatiza.

Grandes nomes da música brasileira gravaram álbuns ou participaram de coletâneas lançadas pela gravadora. Passaram por lá Abel Ferreira, Altamiro Carrilho, Arthur Moreira Lima, Banda de Pífanos de Caruaru, Carmem Costa, Chico Buarque, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Elba Ramalho, Elomar, Jane Duboc, Nara Leão, Orquestra Armorial, Renato Teixeira e muitos outros.

Apesar de todo o prestígio artístico e de imenso serviço dedicado à música popular brasileira, Marcus Pereira acabou se endividando por conta de custos elevados de produção, baixas vendas e problemas de distribuição. Com enormes dívidas e vendo a sua tão sonhada gravadora indo à falência, o publicitário deu um tiro em sua própria cabeça em 13 fevereiro de 1981, morrendo uma semana depois.

Após o fechamento de Discos Marcus Pereira, o acervo da gravadora foi comprado pela Discos Copacabana, que também encerrou suas atividades, terminando tudo em posse da distribuidora ABW, que chegou a re-lançar parte do acervo em CD. Há alguns anos a EMI Music adquiriu todo o acervo da ABW, mas até o momento não relançou nenhum de seus títulos.

Imagem ilustrativa da imagem Uma história de independência e morte
| Foto: Divulgação


Serviço:
Discos Marcus Pereira - uma história musical do Brasil
Autor: André Picolotto
Editora Pizindim
Preço: R$ 64,90
Compras pelo site www.revistadochoro.com