O trágico na vida das pessoas geralmente está no momento em que os acontecimentos ocorrem. No tempo real em que as desventuras se desenrolam. Mas o trágico também pode estar em outro lugar. Pode não estar com toda sua intensidade no momento dos acontecimentos, mas na memória dos acontecimentos.

Para Jacqueline Woodson, “o trágico não é o momento, é a memória”. Esta percepção aparece em “Um Outro Brooklyn”, obra da escritora norte-americana recém lançado pela editora Todavia.

O romance traz o relato da personagem Augusta, uma antropóloga que retorna ao Brooklyn, bairro da cidade de Nova York em que viveu a infância e a adolescência, para participar das cerimônias fúnebres do pai. O lugar abre portas e janelas de suas lembranças vividas no bairro ao lado das inseparáveis amigas Sylvia, Angela e Gigi.

Nas palavras de Jacqueline Woodson, desejava escrever sobre os vínculos que as pessoas compartilham durante a juventude e todas as parábolas que os laços criam: “Sobre o que significa ser uma mulher de cor, vibrante e visível e adorada? Sobre o que significa se apegar àquele amor e, então com a mesma velocidade, deixá-lo ir?”

Livro de Jacqueline Woodson é um delicado desenho sobre a transposição da infância para a juventude
Livro de Jacqueline Woodson é um delicado desenho sobre a transposição da infância para a juventude | Foto: Carlos Diaz/ Divulgação

“Um Outro Brooklyn” é um delicado desenho sobre a transição da infância para a juventude. Um período que somente é vivido, e experimentado, em tempo presente. Um período que será revisitado (em alguns casos, reconstruído) pela memória para novas descobertas: “Redescobrir o amor profundo que tinha pelas amigas, a alegria e o medo assustadores dos primeiros amores, a intensidade do desejo de sobreviver e a ferocidade em câmera lenta do final da infância.”

O relato da personagem Augusta revela como o ambiente é um componente determinante socialmente na juventude. Viver num bairro de imigrantes, num bairro de maioria negra ou branca, num bairro pobre ou rico, pode determinar destinos acolhedores ou destinos hostis. Nas palavras da personagem, “dois passos para a esquerda, para direita, para frente ou para trás e você está fora da sua vida”.

A autora apresenta a transição da infância para a juventude com elementos trágicos que extrapolam a condição de jovens e crianças, dizem respeito à sociedade em que estão inseridos. Um movimento universal em que os adultos prometem aos jovens um futuro que não conseguiram construir: “Adultos nos prometendo seu próprio futuro fracassado.”

Apesar de “Um Outro Brooklyn” ser considerado uma obra de literatura adulta, Jacqueline Woodson é mais conhecida por seus livros direcionados ao público infantil e adolescente. Nascida em 1963, é considerada uma das melhores autoras de literatura infantojuvenil e juvenil norte-americana contemporânea. No último mês de maio foi agraciada com o Prêmio Hans Christian Andersen de 2020, o maior prêmio mundial de literatura para a infância e juventude. Sempre trabalhando com temas que envolvem racismo, segregação, preconceito, identidade de gênero, injustiças sociais e injustiças econômicas, as personagens protagonistas de suas obras são invariavelmente mulheres negras..

Em sua visão, não escolhe os livros que escreve, seja por tema, enredo ou abordagem: “Os livros me escolhem”. Sobre a arte literária, descreve com as seguintes palavra a escritura de “Um Outro Brooklyn”: “Criar um romance significa fazer um movimento em direção ao passado, à esperança, ao imaginário. É uma jornada emocional, às vezes turbulenta, com personagens que nem sempre fazem ou dizem o que a escritora deseja. Com frequência me pedem para explicar esse movimento e percebo que não consigo – quando estou dentro de meu romance, faz sentido. Mas, quando emerjo do mundo que criei, acho difícil voltar ao momento em que minhas personagens estiveram comigo. Imagino que, de muitas maneiras, as personagens que uma escritora cria sempre existiram em algum lugar”.

Há um teor trágico na história de amizade entre Augusta, Sylvia, Angela e Gigi. Um teor que deixará claro que as desventuras culminarão no distanciamento das quatro personagens, no fim da amizade, na fatal entrada ao mundo adulto. Mas também há um otimismo nesta transição, a transição que estabelece aquilo o que cada um faz com a vida e aquilo que a vida faz com cada um.

Entre mortos e feridos, algum tipo de percepção, seja através da dor ou da alegria, determinará a leitura do processo em que a vida se transforma em memória. Uma percepção que poderá deixar o destino com os ombros leves ou pesados. Algo como o destino sussurrando, delicadamente, o tempo todo nos ouvidos: “Em algum ponto, todas as coisas, tudo e todos, se transformam em memória”.

Imagem ilustrativa da imagem “Um Outro Brooklyn”, obra de Jacqueline Woodson, transforma o trágico em memória

Serviço:

“Um Outro Brooklyn”

Autora – Jacqueline Woodson

Editora – Todavia

Tradução – Stephanie Borges

Páginas – 120

Quanto – R$ 49,90 e 34,50 (e-book)