Um olhar sobre as 'flores do campo'
Projeto de fotografia envolve crianças e adolescentes de um residencial ocupado por famílias de baixa renda
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 30 de outubro de 2019
Projeto de fotografia envolve crianças e adolescentes de um residencial ocupado por famílias de baixa renda
Marcos Roman - Grupo Folha
Crianças e adolescentes do Residencial Flores do Campo - ocupação localizada na zona norte de Londrina - estão aprendendo a lançar um novo olhar sobre o bairro onde moram. Um grupo com aproximadamente oito integrantes, com idades entre 10 e 15 anos, se reúne nas manhãs de sábado para registrar imagens cotidianas da população local por meio de fotografias analógicas. A iniciativa faz parte do projeto FotoFlores, criado no mês de abril pelo fotógrafo e advogado Gabriel Melhado.
O próximo passo é mostrar para toda a cidade o trabalho dos jovens fotógrafos através de uma exposição que reunirá cerca de 50 fotografias produzidas por eles. Para viabilizar a mostra programada para o mês de dezembro, o grupo criou uma campanha de financiamento coletivo que visa arrecadar R$ 6 mil. O dinheiro será usado para imprimir e emoldurar as imagens selecionadas para a exposição, além de adquirir mais rolos de filmes.
As contribuições podem ser feitas pelo site www.benfeitoria.com/fotoflores até o dia 14 de novembro. Os apoiadores podem contribuir com valores entre R$ 15 e R$ 500 e serão recompensados com fotos exclusivas e de tamanhos variados feitas pela turma. Até a manhã de terça-feira (29), o total arrecadado era de R$ 4.010,00. Segundo o idealizador da iniciativa, a exibição dos cliques está prevista para ocorrer entre os dias 7 e 8 de dezembro, primeiramente na própria ocupação. Em seguida, o material – composto por cerca de 50 fotografias impressas em alta qualidade – será exposto em outros espaços públicos e particulares que queiram receber a mostra. A proposta itinerante visa diversificar e ampliar o público espectador, lançando novos olhares sobre o Flores do Campo.
Gabriel Melhado conta que, desde a formação do grupo, os participantes se reúnem todos os sábados para registrar a realidade em que vivem. A experiência é viabilizada pelo compartilhamento de algumas câmeras analógicas e rolos de filmes doados ao projeto. O resultado é a captura de imagens espontâneas do cotidiano da ocupação. Um garoto e seu cachorro, amigos soltando pipa, a mira com o estilingue ou o chão de terra: tudo vira objeto para as lentes dos jovens. Com isso, busca-se o enriquecimento cultural dos integrantes, a criação de laços de solidariedade e pertencimento, além da produção de novas narrativas sobre o bairro.
Melhado relata que os encontros tiveram início de forma natural, por interesse dos próprios moradores. “Um dia, vim até o Flores para acompanhar um evento e, quando estava tirando as fotos, alguns meninos e meninas se aproximaram e comentaram que também gostariam de fotografar. Desde então, temos nos reunido semanalmente para realizar alguma atividade relacionada à fotografia”.
Ele destaca que a opção pelas máquinas analógicas, tão incomuns em tempos de mídias sociais e celulares com câmeras de alta resolução, se deu pela dinâmica envolvida no processo. “O número limitado de cliques exige uma atenção e um discernimento bastante grandes do fotógrafo. Outro fator é a expectativa gerada pelo tempo entre disparar o obturador e ver a foto tirada. Isso tudo enriquece e potencializa a criatividade de quem está por trás das lentes”, avalia.
O fotógrafo salienta que até a data da exposição os participantes irão intensificar as atividades com aulas de revelação e passeios fotográficos pela cidade. Depois, junto a profissionais da área, eles mesmos farão a curadoria das imagens a serem exibidas, acompanharão os procedimentos de impressão e emolduragem e, finalmente, ficarão encarregados da montagem da mostra. “Em resumo, irão conhecer de perto todas as etapas do processo artístico e técnico envolvido. Enquanto isso, o trabalho do FotoFlores pode ser conferido no perfil do projeto no Instagram”, explica.
Ocupado no dia 2 de outubro de 2016 por famílias de baixa renda na luta por moradia, o residencial Flores do Campo teve as obras abandonadas pela construtora responsável pelo empreendimento no início do mesmo ano. Projetado para abrigar 1.218 unidades habitacionais entre casas e apartamentos através do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, o bairro sofre com a falta de equipamentos públicos como escolas e posto de saúde. As ações da polícia no local também são alvo constante de reclamação dos moradores, que acusam os agentes de truculência nas operações.