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Ruiva e desconhecida (foto de cima) Marilyn Monroe transformou-se em mito construído em cima da imagem da mulher sexy, frívola e exuberante

Dificilmente outra estrela do cinema foi tão discutida quanto Marilyn Monroe. Passados quase 35 anos de sua morte, o maior mito de Hollywood é tema de cerca de 200 biografias e 10 mil artigos. Pelo menos 50 livros se dedicaram apenas a especular sobre o que teria acontecido na noite de 4 para 5 de agosto de 1962, quando ela morreu por overdose de barbitúricos, aos 36 anos. Desde o início dos anos 50, quando Marilyn despontou para o estrelato, havia uma pessoa que lia e guardava tudo o que saía sobre ela. Embora soubesse que metade do que divulgavam eram fofocas maldosas, sua maior fã ficou em silêncio. Um silêncio doloroso, que só foi rompido no fim do ano passado, com o lançamento do livro ‘‘My Sister Marilyn - A Memoir of Marilyn Monroe’’. A autora é Berniece Baker Miracle, irmã da estrela por parte de mãe.
Berniece, 77 anos, escreveu a biografia a quatro mãos. Teve a ajuda da filha, Mona Rae Miracle. Esta é a responsável pela parte romanceada da história, embora o maior interesse esteja no relato em primeira pessoa feito por Berniece. A dúvida em relação ao livro, segundo as autoras, vinha do fato de que Marilyn sempre fez tudo para proteger a família das garras da mídia. Nunca deixou que eles a defendessem das calúnias publicadas a seu respeito. ‘‘Isso não tem importância. O que quero é garantir a privacidade de vocês, pois a minha não tenho como recuperar’’, dizia. Para manter as coisas como sempre foram, Berniece e a filha se negam a falar com a imprensa.
Bem diferente de tudo o que foi escrito sobre a estrela de ‘‘Quanto Mais Quente Melhor’’, a biografia traz, antes de mais nada, as memórias de Berniece. O interessante é que por meio do olhar da irmã surge Norma Jean Baker Mortenson, uma mulher simples, batalhadora, há anos luz do glamour de Hollywood. Berniece abaixa a cortina do mito e oferece ao leitor ‘‘a verdadeira Marilyn’’. É um relato singelo, feito por quem desfrutou da intimidade da loira mais famosa do cinema.
A história é supreendente. Berniece e Marilyn só descobriram ser irmãs quando uma tinha 19 anos e a outra 12. Os pais de Berniece se separaram quando ela tinha quatro anos, e foi viver com o pai, o irmão (Robert era o primogênito, mas morreu aos 14 anos depois, de uma série de problemas de saúde) e a madrasta. A mãe, Gladys Pearl Monroe, ficaria sem ver a filha por mais de 20 anos. Pouco depois do divórcio, Gladys se casou com Martin Mortenson, mas foi abandonada, grávida de Marilyn, que nasceu em 1º de junho de 1926.
A convivência de Marilyn com a mãe foi complicada desde o início e seria rompida drasticamente. Sem marido e tendo de cumprir horário integral no laboratório fotográfico onde trabalhava, Gladys se viu obrigada a gastar US$ 25,00 ao mês para que vizinhos cuidassem da filha. Aos 34 anos - Norma tinha sete - Gladys foi internada em uma clínica, onde ficou 12 anos.
A princípio, Marilyn ficou aos cuidados da melhor amiga de Gladys, Grace Goddard, mas a falta de dinheiro fez com que mandasse a garota para um orfanato. Ela passou dois anos na instituição e voltou para a casa dos Goddard. Marilyn os considerava verdadeiros pais, embora sua devoção fosse pela tia de Grace, Ana Lower.
Aos poucos, Gladys apresentou sinais de melhora. Sua primeira atitude em relação ao mundo externo foi contatar Berniece e comunicá-la da existência de Marilyn. Nessa época, Berniece havia acabado de se casar. A revelação veio em uma carta, enviada por Gladys, que além de pedir ajuda para sair da instituição, informava a filha sobre o endereço de Norma Jean.
A autora não nega o entusiamo por ter ganho uma irmã. Diz que imediatamente começou a se corresponder com Marilyn, que estava tão ou mais entusiasmada com a notícia. A troca de cartas era frequente, mas o encontro entre as duas só ocorreu seis anos depois, em 1944. Nessa ocasião, Marilyn estava casada com James Dougherty, um membro da marinha que morava na vizinhança. Berniece lembra com emoção o primeiro encontro com a irmã. ‘‘Eu a esperava na estação ferroviária de Detroit pensando se a reconheceria, apesar das fotos que me enviara’’, diz. ‘‘Não havia como perdê-la. Ela despontava de todos os outros passageiros. Tinha uma luz especial’’.
RuivaMuito longe da platinum blonde que se tornaria, Norma Jean tinha então cabelos ruivos e encaracolados. Da primeira impressão, Berniece se lembra de uma leve gagueira da irmã, sinal de carência e insegurança. Marilyn é descrita como uma jovem extremamente doce e amável. Talvez fosse esse o amor que ela nunca recebeu e nem pôde dar à sua mãe. Foi exatamente sobre Gladys que mais falaram nesse dia. Segundo a autora, Marilyn lamentava a doença da mãe e não escondia a tristeza pela falta de afeto. ‘‘Quando deixou a instituição, eu não me encontrava com ela havia mais de dez anos’’, lembra a estrela. ‘‘Por todo esse tempo fantasiei nosso reencontro, mas no dia Gladys me tratou com total frieza’’. Como a irmã mais velha, Berniece conta que acolhia Marilyn com um abraço e pedia que tivesse paciência. Afinal, a mãe estava enferma.
Esses encontros, porém, seriam restritos pela falta de dinheiro de Berniece, que nem sempre podia pagar pelo transporte e pela falta de tempo da atriz, cuja carreira logo deslancharia. Antes, no entanto, Marilyn pediria o divórcio de Jim. Na época, ela era operária numa fábrica de pára-quedas. Descoberta por um fotógrafo militar encarregado de retratar linhas de produção de equipamentos bélicos, Marilyn foi capa de um jornalzinho do exército.
Além de estar sempre ausente em viagens, Jim não aprovava a carreira de modelo da mulher. Mas esse problema ela resolveu logo, ao pedir a separação. Divorciada e metamorfoseada da noite para o dia em modelo requisitada, Marilyn assinou um contrato com a 20th Century Fox em 1946. O curioso é que, embora doente, a mãe de Marilyn fazia questão de desencorajar a filha, avisando que aquela não era uma boa profissão. Gladys costumava murmurar: ‘‘Eu não gosto desse negócio’’. Talvez, de alguma maneira, o coração de mãe dissesse que aquilo não acabaria bem.
O resto da família, no entanto, vibrava a cada conquista de Marilyn. Não perdiam um só filme, mesmo produções como ‘‘A Malvada’’, em que ela aparecia numa ponta. Da época em que começou a ganhar fama, Berniece lembra a mania de consumo que tomou conta da irmã. ‘‘Ela se tornou viciada em compras e não economizava nada do salário da Fox.’’ Era comum que Marilyn enviasse um pacote de roupas para Berniece e Mona Rae que, embora preocupadas com os exageros da atriz, jamais se queixaram dos presentes. A mania de gastar pelo jeito se tornou cada vez pior, pois quando morreu, Marilyn estava praticamente falida.
Se as duas se encontravam pouco pessoalmente, as cartas e telefonemas eram constantes. Dessa forma e pelas notícias da mídia, Berniece acompanhou a ascensão da carreira da irmã, assim como o início de sua decadência pessoal. Segundo a autora, os primeiros sinais de que as coisas não estavam bem se fizeram claros quando Marilyn foi morar em Nova York e estudar com Lee Strasberg. A decisão de deixar Los Angeles veio da insatisfação da estrela com os papéis de loira sexy e burra que lhe eram oferecidos.
Para Berniece, Marilyn não tinha estrutura para enfrentar o famoso método de Starsberg. ‘‘Essa coisa de olhar para dentro e de se analisar acabou com suas defesas’’, diz. ‘‘A introspecção trouxe à tona sentimentos que melhor seria se continuassem enterrados.’’ Aliada à análise que começou a fazer, a experiência nova-iorquina, segundo o livro, foi o que deflagrou o processo de autodestruição de Marilyn. As pílulas para dormir, para acordar, para relaxar, etc, prescritas pelo analista se tornaram amigas - ou inimigas - inseparáveis da atriz.