Francelino França
De Londrina
Em entrevista à Folha2, o Câmara Brasileira do Livro, Raul Wasserman fala sobre o mercado editoral. Como coordenador da 16º Bienal Internacional do livro, ele diz que haverá criação de um espaço para as pequenas editoras
Nesse país continental, o mercado editorial brasileiro cresce lentamente num terreno árido. Mesmo assim, o Brasil ocupa a oitava posição no ranking internacional de produção. Segundo dados da Câmara Brasileira do Livro, no primeiro semestre de 1999, as editoras publicaram 24.718 títulos, colocando nas estantes mais de 158 milhões de exemplares. A maior fatia do mercado pertence aos livros didáticos, o que corresponde a 61% dos exemplares produzidos. Mas os números não refletem por completo a realidade desse mercado, que desconhece o perfil do leitor brasileiro. Sabe-se apenas que o índice de leitura é ínfimo, menos de um exemplar ano/habitante.
O Ministério da Cultura também não se propõe a viabilizar uma política eficaz para alavancar o setor, nem dá continuidade aos projetos de importância. Existem apenas ações dispersas. Outro dado indecoroso é que no Brasil as bibliotecas (públicas e particulares) consomem apenas 1% do total de livros produzidos no País. Via de regra, estão estruturadas precariamente e com acervo defasado. Pelo gigantismo do Brasil, a distribuição é um dos maiores desafios a ser superados.
A Folha2 conversou com o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Raul Wasserman, empresário das editoras Summus e Ágora. À frente da 16ª Bienal Internacional do Livro, a terceira maior feira do mercado editorial do mundo e a maior brasileira, ele avalia que ‘‘a Bienal se constitui num momento único para o País refletir sobre toda a produção do mercado de livro’’.
Para essa edição do evento, foram convidados Nelson Mandela, o bispo do Timor Leste Ximenez Belo e o escritor Gunther Grass, laureados com prêmio Nobel. A Bienal de São Paulo se notabiliza pelo caráter educativo (veja matéria nesta página). Na entrevista Raul Wasserman aponta soluções para reverter o quadro nada animador do setor editorial brasileiro, que sobrevive graças ao otimismo dos editores.
A 16ª Bienal Internacional do Livro se diferencia das anteriores em quê?
O acontecimento do mercado editorial nesse ano é a 16ª Bienal de São Paulo. Queremos aproveitar o sucesso do Salão de Idéias, que aconteceu no Salão Internacional do Livro, no ano passado, e implantá-lo nesse ano, funcionando com mais participantes. Também vamos criar um espaço para as pequenas editoras.
Há um crescimento no número de pequenas editoras no País?
Há um índice de mortalidade nesse setor, como também há empresas que vêm para ficar. A saída para a sobrevivência dessas editoras está nas pequenas ações. Por exemplo, se ligar às entidades do setor, começar a aparecer pelo menos no site da Câmara Brasileira do Livro. Na medida em que se desenvolve o mercado livreiro eletrônico e a imprensa abre mais espaço, as pequenas editoras se profissionalizam mais. Existem pequenas editoras que trabalham no mais alto nível profissional em termos de processo, até aquela editora que existe apenas com um editor e telefone. Outro caminho para a profissionalização delas é participar de reuniões na Escola do Livro de São Paulo.
Não haveria como a Câmara Brasileira do Livro produzir de maneira compacta Bienais itinerantes pelo Brasil?
Nós promovemos eventos que tentam levar um pouco da Bienal a outros centros, como a feira de Curitiba, Fortaleza, Belém e Recife. O evento tem dado certo nos locais onde as Secretarias de Cultura oferecem apoio. O binômio cultura-Feira atrai muita gente ávida por consumir, mas sem acesso aos livros.
Quantos pontos de vendas de livros existem no Brasil?
Existem cerca de seis mil pontos de vendas, nos quais podemos incluir desde supermercados até lojas de produtos naturais, e cerca de 1.200 livrarias. No Brasil, não há rede de livrarias geograficamente distribuídas. Mesmo em São Paulo, há concentração de livrarias em algumas zonas, agora é que elas estão saindo para outros pontos da cidade.
Por que o preço do livro no Brasil é tão elevado?
Proporcionalmente ao nosso poder aquisitivo, o preço do livro no País é alto. Para baixar é preciso aumentar as tiragens. Se aumentar o consumo via biblioteca, o preço do livro consequentemente baixa, porque aumenta a tiragem. Quem não pode pagar se utiliza da biblioteca, quem pode pagar compra os livros mais baratos. Aí se forma uma rede.
Como o senhor analisa a política do Ministério da Cultura em relação ao setor?
O Ministério da Cultura não tem verba. A pouca verba que possui dirige para o cinema. É preciso uma atitude forte e permanente no setor editorial, para que ele se desenvolva. Alocar verbas para cultura e bibliotecas é o mesmo que investir em fábrica.
As bibliotecas precisariam passar por uma mudança de paradigma em relação ao livro?
As bibliotecas públicas no Brasil são uma piada. Elas não possuem estrutura e nem acervo novo. Se a saída para o País é a educação, isso passa pelas bibliotecas. Nos países desenvolvidos, as vendas de livros para bibliotecas correspondem a 30% do mercado. No Brasil, as bibliotecas não consomem nem 1% daquilo que é produzido pelo mercado editorial. Como o cidadão brasileiro vai concorrer no mercado globalizado com deficiência nas áreas de conhecimento, informação e tecnologia? Estamos pensando em criar uma ONG estruturada para atacar esses problemas.
E a informática, de alguma forma, contribuiu para o aumento do índice de consumo de livros?
Sim, existem cada vez mais sites de disponibilização de livros. O desenvolvimento do comércio eletrônico como canal de vendas é importante, mas ainda precisa se estruturar e se adaptar.
Quem são os leitores brasileiros?
Não sabemos o perfil do leitor brasileiro. Há algumas pesquisas setorizadas feitas por algumas editoras, mas não sabemos quem são os leitores brasileiros.
Quantos livros, em média, o brasileiro lê anualmente?
Por volta de 2,5 livros por ano/habitante, incluindo livros didáticos (ensinos fundamental e médio). Lá fora eles lêem em média 11 livros por ano/habitante. Excetuando os didáticos, esse número cai ligeiramente para menos de 1 livro por ano/habitante no Brasil.
Temos um autor de livros na Presidência da República, isso contribuiu de alguma forma para impulsionar o mercado livreiro no País?
Nunca tivermos tantos autores em cargos de governo federal. No entanto, não vejo ações em prol do livro. FHC ou se esqueceu o setor ou não soube alocar verba. Como presidente da Câmara Brasileira do Livro reivindico menos financiamentos e mais investimentos no setor, com isenções fiscais e de IPTU para instalações de livrarias, financiamento a longo prazo para abrir mais pontos de vendas de livros. Não adianta cobrar juros de indústria, porque o lucro do livro não cobre.
O que falta para a literatura brasileira ganhar mais impulso no mercado internacional?
Há o sério problema do idioma. É preciso também um trabalho de volume de produção literária brasileira no exterior, para que os melhores autores ou mais bem distribuídos ou divulgados apareçam.