Antes da pandemia, o novo filme de Paolo Genovese, “Il Primo Giorno de la Mia Vita”, seria realizado nos EUA e contaria com elenco internacional. As filmagens terminaram há dois anos e o lançamento internacional só em janeiro chegou ao mercado internacional, Brasil incluido. Baseada em livro homônimo escrito pelo próprio diretor Genovese, a ação foi transferida de Nova York para Roma, e contou com elenco italiano. Uma história marcada pelo realismo mágico, que mais uma vez gira em torno de um homem misterioso que de alguma forma guia os destinos de outras pessoas, confirmando o interesse de Genovese (cujo sucesso “Perfeitos Desconhecidos” atingiu o recorde de 21 remakes em todo o mundo) por temas mais profundos que estimulam a reflexão e podemm levar o publico a mudar a perspectiva sobre as coisas.

A mudança de perspectiva é justamente o tema central desta nova obra do realizador romano, que gira em torno de quatro personagens de diferentes idades e vivências, unidos pela vontade de acabar com tudo. Arianna (Margherita Buy) é uma policial que vive com a insuportável dor de uma perda; Napoleone (Valerio Mastandrea) é um bem sucedido influencer profissional que não consegue mais se motivar; Emília (Sara Serraiocco) é uma ginasta que acabou sua carreira numa cadeira de rodas; e Daniele (Gabriele Cristini, 12 anos) é um jovem influenciador acima do peso e vítima de bullying. O inesgotável e sempre bom Toni Servillo faz o misterioso personagem demiurgo sem nome. Ele carrega todos eles em seu velho Volvo pela noite em que, sob a chuva, eles decidem acabar com suas vidas. O homem lhes oferece uma semana para se darem uma segunda chance, para se apaixonarem novamente pela existencia e se salvarem (uma espécie de limbo em que os quatro protagonistas observam como seria o mundo sem eles) e, acima de tudo, para terem um olhar para o futuro, caso decidam voltar à vida).

Dia após dia, esse quarteto enfrenta seus traumas, ansiosos por relativizar a dor e voltar a saborear a vida (no verdadeiro significado da palavra, pois no início foram privados dos sentidos, que vão recuperando aos poucos), porque uma vez que você atingir o fundo do poço, você sempre poderá voltar para cima, é o que parece dizer o discurso de redenção do filme. Nossos quatro supostos suicidas, que a princípio desconfiam uns dos outros, começam a empatizar e a fazer novas conexões; mas, previsivel e aparentemente, nem todos serão capazes de mudar sua decisão e sair da escuridão.

A previsibilidade é uma espécie de mácula neste filme, juntamente com algumas motivações suicidas menos convincentes que impedem o espectador de melhor se conectar com os personagens. Mas as excelentes atuações do quinteto central e a ambientação numa Roma noturna pouco reconhecível (a da região dos deteriorados hotéis ao redor da estação Termini), além da habilidade inquestionável de Genovese em criar histórias introspectivas para o grande público, fazem de “Il Primo Giorno Della Mia Vita” um filme curioso e interessante de assistir.

“O Primeiro Dia da Minha Vida” é um dos representantes de certa tendência do cinema italiano deste momento: uma especie de mix de cinema de autor e de cinema comercial ao mesmo tempo, sendo também uma história de ficção fantástica com um corte de realismo. Alguns diálogos e situações nos colocam em uma história um tanto new age, sem arestas sombrias, muito plana para as tensões morais que vários desses personagens condenados ao vazio supostamente teriam vivido. O roteiro às vezes perde a fluidez que o primeiro tempo do filme sugere sobre o mistério insondável da existência humana.

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