Um filme para gostar (mais) dos livros
“Um Ano em Nova York”, em streaming, é um encontro com a vocação e uma lenda
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 30 de setembro de 2021
“Um Ano em Nova York”, em streaming, é um encontro com a vocação e uma lenda
Carlos Eduardo Lourenço Jorge
“My Salinger Year” (bom título original), com certeza pouco assediado pelo público adicto em streamings, no caso Netflix, é filme adorável e cativante baseado nas muito estimadas memórias de Joanna Rakoff, 49, jornalista freelance, poetisa, crítica e romancista americana, durante seu breve período de trabalho numa venerável agência literária da velha guarda nos EUA, a “Harold Ober Asssociates”, na Madison Avenue, que, entre outros, representou o lendário autor J.D. Salinger. A trama centra-se nela, nos seus sonhos e na sua personagem delicada e ingênua e trata a figura lendária de Salinger somente com o necessário distanciamento para não distorcer o foco da protagonista.
Margareth Qualley ("Era Uma Vez em Hollywood") interpreta Joanna por volta de 1995, quando ela deixa a pós-graduação e o namorado, e se muda para a Big Apple com alguns primeiros poemas na bagagem e uma boa dose de carisma. Um carisma reforçado pela intérprete, Margarett Qualley (filha de Andie MacDowell), e do impacto permanente que Sigourney Weaver produz na tela, uma atriz que sabe olhar para a câmera como se tivesse endossado um cheque sem fundo. Ela é Margareth, dona da agência, e como atriz distribui lições de ousadia, malícia e estilo na composição de seu personagem. É um filme agradavelmente convencional e comovente, e não é difícil ficar fascinado por ele e seus protagonistas.
Desnecessário dizer que Joanna tem aspirações maiores e, embora estranhamente nunca tenha lido "O Apanhador no Campo de Centeio", cria um vínculo afetivo com Salinger quando "Jerry" liga para a agência – voz do ator Tim Post. Sua empatia pelos fãs do autor (retratados em cortes de extravagância e fantasia) leva Joanna a resolver/responder o problema das cartas desses fãs com suas próprias mãos ingênuas, com um efeito divertido e imprevisível.
A jornada de iluminação criativa e emocional de Joanna é administrada com graça, ternura e credibilidade pela jovem Qualley em harmonia com roteiro e direção inteligentes do canadense Philippe Falardeau. E Sigourney garante que sua funcionária Margareth, resistente à tecnologia, nunca chegue ao território dos monstros... Isto cai como uma luva no personagem, que começa frio, e vai aos poucos ganhando e se aprofundando em humanidade.
Em tempo. Se você, depois de meia hora de filme, deixar de pensar em “O Diabo Veste Prada”, vai curtir mais e melhor.

