Um contador no espectro autista
Estreia mundial, “O Contador 2” traz Ben Affleck de volta em papel sob medida na continuação daquele inesperado sucesso de oito anos atrás
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 01 de maio de 2025
Estreia mundial, “O Contador 2” traz Ben Affleck de volta em papel sob medida na continuação daquele inesperado sucesso de oito anos atrás
Carlos Eduardo Lourenço Jorge - especial para Folha 2

O filme, em lançamento em Londrina, parecia a princípio um projeto impensado e até desnecessário: a sequela de um êxito apenas moderado, do qual não muitos espectadores pareciam se lembrar. Em termos de custo benefício até que não decepcionou, com bilheterias de U$ 155 milhões para um orçamento de U$ 44 mi, nada mal para uma produção de 2016 com suas características.
Mas como sempre historicamente imprevisível porque instável, a indústria cinematográfica mais uma vez surpreendeu, e agora temos o retorno daquela história com Ben Affleck no papel de um contador autista, com capacidades mentais e físicas extraordinárias, que se dedica a, digamos, “corrigir" ou “consertar” (como preferirem) as contas de organizações criminosas. No Brasil estreou com público bem razoável em circuito de salas, e está disponível em multiplex (sic) de streamings. Para reavivar memórias borradas pela perversa pandemia que sucedeu àquela estreia: o contador original pode ser definido como um thriller tipo Jason Bourne, com “Rain Man” como recheio.
Nesta segunda parte, dirigida novamente por Gavin O'Connor e também escrita por Bill Dubuque, os irmãos Wolf – Christian (Affleck) e Braxton (Jon Bernthal, ator marcado por personagens duros e violentos), aqui vivendo um assassino de aluguel – se unem e partem para encontrar uma mulher vítima de uma rede de tráfico de pessoas que opera entre o México e os Estados Unidos. Cynthia Addai-Robinson repete seu papel como a agente federal Medina, e Daniella Pineda interpreta uma mulher com um passado misterioso, que traz uma atmosfera de John Wick à história. Diferente do primeiro filme, esta sequência incorpora ao elenco atores do espectro autista.
“O Contador 2” tem três faces diferentes. Por um lado, é um buddy movie que sabe dar o tom ideal para que, assistindo a intervenção beneficamente predadora desses dois justiceiros (vá lá, vamos assumir que a dupla é muito menos nociva do que aqueles impunes que eles liquidam, e que seus métodos de liquidação podem ser até divertidos).
É nesse ponto que o filme se realiza como produto comercial e demonstra o potencial de se transformar em serie a partir desta segunda parte. Há grande probabilidade de juntar novamente Affleck e Bernthal.
Por outro lado, O'Connor (com orçamento que agora chegou aos U$ 80 milhões) teve mais liberdade e meios para planejar as cenas de ação, mostrando preferência maior por tiroteios do que por momentos mais físicos. É verdade que elas, as cenas, também não são muito abundantes, seguindo o padrão de começar forte e terminar em alta, enquanto no meio há pequenos momentos aqui e ali melhor integrados à evolução da investigação. De minha parte, vejo aí uma evolução, e melhor ainda, não estamos diante de um filme querendo competir com, por exemplo, recentes sucessos do gênero como a pouco estimável série John Wick.
Por fim, e o mais importante. “O Contador 2” serve de base para um drama todo ligado ao pesadelo que o sonho americano vem se tornando há tempos – pior, bem pior neste momento para o grande contingente de imigrantes. É verdade que talvez tudo no filme fique um pouco mais complicado do que o necessário, mas pelo menos isso nunca atrapalha a narrativa e é mais uma necessidade para justificar o resto. De fato, há uma certa dissonância entre a seriedade do que é proposto e a falta de profundidade que lhe é dada. Talvez seja um preço a pagar para evitar o tom claro predominante. Mas não é algo que incomode.

