Imagem ilustrativa da imagem Um colecionador de prêmios
| Foto: Marcos Zanutto



Em meio à polêmica gerada pela escolha recente de Bob Dylan para o Prêmio Nobel de Literatura, a mais tradicional premiação literária do País se prepara para contemplar escritores brasileiros em 27 categorias. O Prêmio Jabuti chega à sua 58ª edição em solenidade agendada para o próximo mês, em São Paulo. Marcando o encerramento da Semana Nacional do Livro, que termina neste sábado (29), a Folha entrevistou o escritor Domingos Pellegrini, que desde a primeira obra – o livro de contos "O Homem Vermelho", lançado em 1977 - conquistou seis Prêmios Jabuti. Nascido em Londrina, em 1949, o escritor e jornalista já publicou mais de 30 livros, que começou a escrever ainda na adolescência, quando aos 14 anos ganhou uma máquina de datilografia de seu pai. Entre contos, poemas, crônicas e romances, dedicou parte de sua obra ao público infanto-juvenil. O romance "A Árvore que Dava Dinheiro" (1981), seu primeiro livro voltado ao segmento juvenil, teve mais de 3 milhões de exemplares publicados, 2 milhões deles para o Plano Nacional de Bibliotecas do Ministério da Educação.

Pellegrini sempre se envolveu em polêmicas, a mais recente foi quando resolveu lançar uma biografia sobre o poeta curitibano Paulo Leminski sem a autorização da família que não queria a publicação. Diante disso, ele decidiu divulgar na internet os textos originais do livro que viria a ser publicado em 2015, com o título "Minhas lembranças de Leminski". O episódio ganhou repercussão nacional e engrossou o coro dos escritores que lutaram para que a necessidade de autorização familiar fosse dispensada pela Justiça, fato que acabou acontecendo no ano passado com a liberação avalizada pelo Supremo Tribunal.
Na entrevista a seguir, o escritor fala sobre prêmios literários e o futuro do livro, entre outros assuntos.



Como o senhor avalia a questão do autor e do livro no Brasil atualmente?
O Brasil ainda é um país com pouca leitura, que indica e determina o estágio civilizatório duma sociedade. A leitura é ferramenta básica para a comunicação, da qual dependem basicamente a economia e suas empresas, os governos e as instituições sociais. Quanto menos comunicação, menos evoluída é uma sociedade. As pinturas rupestres, nas cavernas pré-históricas, flagraram a caçada coletiva, empreendimento ancestral que dependia de comunicação prévia, e sem o que não teríamos conseguido caçar grandes animais para ter carne e couro suficientes para atravessar o inverno e alimentar o cérebro que se expandia. Hoje, vemos que as nações com pouca leitura, ou confinadas a leitura de apenas livros sagrados, mantém-se no subdesenvolvimento econômico, social e cultural. A maior tarefa que os pais podem fazer por seus filhos – e pela civilização – é, quando são ainda criancinhas, contar-lhes histórias escritas, habituando-os a procurar na leitura prazer e informação que será, no começo, apenas cultural, mas chegará a ser tecnológica, profissional, civilizatória. O cidadão que lê entende mais, exige mais, participa mais, influi mais, desenvolve mais sua sociedade.

Acha o que formato do livro impresso corre o risco de acabar?
Sabe Deus. O disco long-play está voltando forte, mas decerto continuarão evoluindo as outras formas de reprodução sonora, através de computadores, celulares, carros, e talvez chegue um tempo em que poderemos implantar num chip, diretamente no cérebro, milhares de músicas a ouvir a qualquer momento, bastando dizer o nome da música e seu intérprete. Hoje vemos que o livro impresso é amigo dileto de quem com eles aprendeu a gostar de ler. Eu não consigo ler em tablets, celulares ou computadores, até porque é muito desconfortável. Mas a moçada que aprendeu a ler assim acha o contrário. Certo mesmo é que o livro, impresso ou e-book, evidencia que a diversidade é própria dos humanos. Mas, aqui entre nós, se tiver de ficar numa ilha deserta e puder escolher entre e-book ou impresso, quero os dois. Do livro impresso posso queimar folhas para começar fogueiras, e o e-book estará em tablete ou celular que posso usar para pedir socorro...

Há algum tempo, o senhor se envolveu na polêmica gerada em torno de biografias publicadas sem autorização. Acha que a forma como o assunto se consolidou juridicamente foi a ideal?
Dentre os tantos nós que temos de desatar para cumprir o destino humano, que é melhorar, este nós desatamos. Agora, quem quiser pode publicar qualquer biografia sem autorização, mas poderá ser julgado por calúnia ou difamação se as praticar no livro. Apenas gostaria que, para esses julgamentos como para quaisquer outros, nossa Justiça não fosse tão injusta pela própria lerdeza.

Domingos Pellegrini: "O mais importante é que os livros me deram dinheiro sem perder a dignidade"
Domingos Pellegrini: "O mais importante é que os livros me deram dinheiro sem perder a dignidade"



Qual a importância de premiações como o Jabuti, na sua opinião?
Ganhei o Jabuti duas vezes em primeiro lugar, duas vezes em segundo lugar e duas vezes em terceiro lugar, com um livro de contos, três romances, um livro juvenil e um de poesia. A Câmara Brasileira do Livro considera que são vencedores os três primeiros colocados em cada uma das duas dezenas de categorias. A importância do Jabuti é pelo prestígio que confere aos vencedores, pois é um prêmio muito tradicional, com quase 60 anos, e muito disputado: por exemplo, na categoria romance, são mais de duas centenas de concorrentes todo ano. Mas tudo é relativo: o Paulo Coelho não tem nenhum Prêmio Jabuti, e eu gostaria de ter livros tão vendidos como ele.

O que achou do Prêmio Nobel de Literatura ter sido concedido a um compositor, no caso Bob Dylan?
O Nobel não foi concedido a um compositor mas a um poeta. Bob Dylan é um gênio mutante, uma extraordinária fonte de espantosa poesia quando musicada. Se suas letras perdem dimensão e garra poéticas sem a música, o fato é que ninguém as ouve assim. Não vejo porque apenas os livros podem ser suporte para literatura, como é também o teatro e até o cinema. Shakespeare também, se apenas lido, perde garra e dimensão, funciona plenamente é no palco. Se a variedade é própria da humanidade, porque a literatura teria de ter apenas um suporte imutável? Tomara que seja uma tendência para novas premiações, embora seja difícil ver outra fonte de poesia tão magnífica quanto Dylan. Conseguiu até reinventar o Nobel.

"A Árvore Que Dava Dinheiro", lançado em 1981, é o título de um de seus livros. E a literatura, dá dinheiro?
Meus escritores preferidos na infância e adolescência nunca escreveram uma linha, o grego Esopo, porque era analfabeto e suas fábulas foram transcritas por outros, e Jesus, que apenas escreveu com graveto no chão, enquanto pensava antes de dizer "quem não tiver pecado, atire a primeira pedra". Bebi deles o estilo claro e envolvente de quem fala, de quem se comunica como quem conversa, e assim escrevi histórias juvenis que se tornaram minha principal fonte de renda, pois, como livros paradidáticos, são vendidas pelas editoras diretamente às escolas, milhares ou até milhões de exemplares todo ano, que as listas dos best-sellers em livrarias não captam. "A Árvore" já me deu muito dinheiro desde 1981, quando foi publicada, e outras histórias juvenis também, como "As Batalhas do Castelo", "O Mestre e o Herói", "Estação Brasil" e "A Revolução dos Cães". Mas o mais importante é que me deram dinheiro sem perder a dignidade.

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