Carlos Eduardo Lourenço Jorge está intimamente ligado à história do cinema em Londrina. Como curador da programação de salas importantes - como o Cine Ouro Verde, Cine Vila Rica e Cine Com-Tour/ UEL - ele traz à cidade, há décadas, uma seleção de filmes que nada fica a dever aos circuitos alternativos das capitais.

Nos anos 1980, inaugurou em Londrina as Sessões da Meia-Noite do Cine Ouro Verde e Vila Rica, oferecendo ao espectador aquilo que ele chama de "uma aventura cinéfila" , instigante tanto pelo horário que fazia o público sair de casa para uma sessão, quanto pelos filmes que contemplavam a reflexão, funcionando como um estímulo à formação crítica. Experiências desse tipo foram repetidas no Cine Com-Tour, cuja programação esteve a cargo de Lourenço Jorge por 15 anos.

No início desta semana, por contingência de verbas, a sala do Cine Com-Tour, subsidiada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), foi fechada e parte do público, acostumado a uma programação alternativa, questiona qual será o futuro do chamado cinema de arte na cidade.

Em entrevista, Lourenço Jorge, que é também crítico de cinema da FOLHA, onde assina a coluna O Cinéfilo Fiel, não dá respostas conclusivas sobre este futuro que, como muitos sabem, depende também, circunstancialmente, dos rumos da política cultural que tem deixado um saldo significativo de espaços de arte fechados pelo País.

A batalha pela manutenção desses espaços não é exclusiva de Londrina, mas a cidade, pelo seu perfil cultural, soma esforços pela manutenção e reabertura daquilo que representa parte de sua identidade.

Nesta entrevista, Lourenço Jorge fala de sua trajetória, de suas escolhas como programador de cinema, de sua formação crítica, da sua contribuição para a formação de um público na cidade e afirma que a UEL "como instituição oficial de ensino, pesquisa e extensão, sempre cumpriu seu papel de proposição de uma politica cultural pública." Objetivo, segundo ele, cumprido não só por obrigação, mas com consciência.

Desde as Sessões da Meia-Noite no Cine Ouro Verde, nos anos 1980, passando pelo Cine Vila Rica, até ser curador do Cine Com Tour/UEL, que acaba de ser fechado, sua contribuição para a cidade, sob o aspecto também da formação de um público, foi importante. Como você, pessoalmente, vê essa trajetória?

Creio que é uma história que funde na mesma medida responsabilidade e prazer. Tenho a certeza e a garantia, via registros midiáticos e documentação oficial da UEL, que ao longo das últimas quatro décadas, o público de Londrina (e também da região) teve permanentemente à disposição uma oferta da melhor e mais importante produção cinematográfica alternativa mundial distribuída no Brasil. Isso apesar das limitações impostas quando esta programação estava no Ouro Verde (anos 1980, 90 e até 2002) dividindo espaço entre muitas atividades de palco e depois no Com-Tour, nos últimos tempos penalizado pelo contingenciamento de recursos humanos que acabou encolhendo a oferta de sessões. Olhando com o devido distanciamento, acho que a coisa funcionou bem. O carinho das manifestações do público dá bem essa medida.

.Carlos Eduardo Lourenço Jorge no Festival de Cinema de Cannes do qual ele fez a cobertura de 20 edições
.Carlos Eduardo Lourenço Jorge no Festival de Cinema de Cannes do qual ele fez a cobertura de 20 edições | Foto: Acervo pessoal

Você foi correspondente, inclusive para a FOLHA, em festivais internacionais de cinema importantes, como o de Cannes (França) e Veneza (Itália). Como foi a experiência de levar o nome de Londrina para esses festivais e trazer para a cidade a vanguarda da produção europeia?

A participação como jornalista e crítico em 20 edições de Cannes e 20 de Veneza foram experiências marcantes, sob todos os aspectos. Contatos e relacionamentos profissionais , descobertas, obviamente muitas emoções. E a certeza de reportar para Londrina os fatos mais significativos desses eventos com repercussão mundial, via criticas e entrevistas. E também assistir (e julgar) em primeira mão muitos títulos que programei meses mais tarde no Cine Ouro Verde e no Cine Com-Tour.

Você considera que conseguiu formar um público para o cinema alternativo na cidade?

Bem, espero que sim. Como já disse, a variedade da procedência da produção alternativa mundial mostrada em Londrina, a profusão de ideias e formas contidas nessa produção, o convite permanente para aderir a um cinema reflexivo, enfim, a oportunidade do acesso imediato e continuado aos filmes durante várias temporadas autorizam uma conclusão otimista quanto a esta formação. Não se trata, evidentemente, do chamado público de massa - que já é em menor proporção mesmo no viés hollywoodiano -, mas de espectadores com maior capacidade de massa crítica.

As Sessões da Meia-Noite no Cine Ouro Verde e Vila Rica eram lotadas. As sessões no Cine Com-Tour oscilavam entre um bom público e a sala com poucas pessoas. Como você o cinema hoje em relação à frequência de público?

As sessões de Meia-Noite, tanto no Com-Tour, Vila Rica e Ouro Verde, entre 1974 e 1980, contaram sempre com centenas de espectadores. Havia dois fatores a considerar: o horário inédito e fora dos padrões - que reforçava a ideia da aventura cinéfila - e a seleção de filmes , inéditos mais ou menos na faixa dos "malditos" e clássicos dignos do rótulo, como Irmãos Marx, Kurosawa e russos. O Cine Com-Tour do século 21 teve filmes com bom público, com público razoável e com pouco público. Alguns raros alternativos que o Multiplex Cinépolis (Shoppíng Aurora) exibiu também para pouquíssimo publico. Não é segredo que o público vem diminuindo nas salas - estou falando ainda em tempos de pré-pandemia. Vamos ver o que vai ocorrer nos próximos meses e confrontar o velho e o novo.

As plataformas digitais estão aí com uma infinidade de filmes a serem assistidos durante ou depois da pandemia. Neste cenário, como você vê o futuro das salas de cinema?

Não acredito no fim do ritual ou da magia, como quiserem. Quer dizer, ficar em casa para ver filme ou série é 'pain in the ass' ("um saco" em português). Os tempos de agora obrigam a isso. E como sempre ocorreu em momentos de crise, o cinema vai encontrar sua sobrevivência. Como, ainda não se sabe.

Há quem critique o uso de verbas públicas para manter espaços como o Cine Com-Tour/ UEL, com público oscilante. Como você analisa a relação do incentivo público para a cultura?

A UEL, que manteve aberto e funcionando o Cine Com-Tour por 15 anos, sempre compreendeu os propósitos daquela atividade subsidiada. Como instituição oficial de ensino, pesquisa e extensão, cumpriu seu papel de proposição de uma politica cultural pública. Alguém poderia dizer que não fez mais que obrigação. Eu acrescentaria que a obrigação foi cumprida com plena consciência.

Daqui para frente, com a desativação da sala do Com-Tour, qual o futuro da Divisão de Cinema da UEL?

Vamos aguardar . Há planos. O Ouro Verde e outros espaços não estão descartados.

Hoje, Londrina é um polo de produção de cinema. Você acha que teve uma contribuição direta ou indireta na formação desses profissionais que criaram núcleos e produtoras de cinema na cidade?

Creio que houve essa contribuição sim, mas em qual medida não sei. Provavelmente os que colheram frutos dessa influência podem dizer.

O crítico Carlos Eduardo Lourenço Jorge entre atores e debatedores no Festival de Gramado
O crítico Carlos Eduardo Lourenço Jorge entre atores e debatedores no Festival de Gramado | Foto: Acervo pessoal