O inferno daqueles que tratam da realidade não é a falta, mas o excesso de assuntos. Às vezes ouvimos dizer que “faltou assunto”, quando, na verdade, o que ocorreu foi uma reiterada dificuldade em escolher do que falar. É como uma maldição. Acomete quem escreve em qualquer veículo: jornal, revista, livro, internet etc. A realidade, basta notar, é recheada de temas e provocações. Eleger uma ou duas sobre as quais versar é que se faz enorme desafio.

Ultimamente, com o planeta integrado pelos sinais de gigantescos meios de comunicação social (e fragmentado por redes socais de amplo alcance), pula-se do futebol à guerra em instantes. No meio do caminho, troca-se uma receita, verifica-se o horóscopo, regozija-se com uma tirinha e, no fim das contas, enerva-se com mais uma diatribe vinda do Palácio do Planalto. É fácil perder-se na imensa floresta de papéis, áudios, vídeos e “timelines”. Difícil é sair disso tudo um pouco maior, ciente de ter, de fato, aprendido algo novo e relevante.

Tornou-se quase impossível, nas últimas décadas, viver de intérprete da realidade. A concorrência não conhece limites. Todo mundo sabe (quase) tudo sobre tudo. Não há tema do qual se fuja. Escalam-se, com a mesma facilidade, a seleção brasileira de futebol e o time de ministros do governo federal. Outro dia vi alguém reclamar dos “tudólogos”, esses especialistas em universo, em assuntos vastos, em leituras que se querem pertinentes a respeito do que se passa no infinito das galáxias.

.
. | Foto: iStock

A “tudologia” – a ciência-mãe dos “tudólogos” – mistura o sagrado e o profano, o razoável e o absurdo, o visível e o invisível. Enfrenta quem quer que seja, apoiando-se com firmeza e convicção no Dr. Google, o mestre de todos os mestres; e pratica o que o marxista italiano Domenico Losurdo chamou de “terrorismo da indignação”: um mecanismo de propagandear verdades prontas e estabelecidas, tornando aqueles que pensam diferente inimigos do incontestável. Ai de quem tensione lugares-comuns. Ai de quem ouse dizer o contrário. Triturar a verdade e deixar a realidade pronta para uma fácil digestão é o objetivo final dos “tudólogos”.

Permanece, então, uma sensação generalizada de mesmice. Parece que todos ouvem as mesmas músicas, leem as mesmas palavras, vestem as mesmas roupas, elaboram uma única visão de mundo. Em toda parte, é monstruosa a percepção de que se está a falar com a mesma pessoa o tempo todo, por mais variados que sejam os interlocutores. Não há lugar para o silêncio em meio a um mundo barulhento; não há espaço para a luz num cenário tomado pela escuridão.

Os “tudólogos” pautam a vida cotidiana, elegem o que deve ser noticiado, analisado, debatido. Mais do que isso: definem as regras do debate. Fora de seus esquemas, a mentira é que vence. São moralistas, portanto: acham-se a última bolacha do pacote. Eu, como tantos que não se iludem, prefiro continuar perdido, sem saber o que dizer, do que considerar que aquilo que digo é a palavra restante.

...

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link