A transferência da Secretaria Especial de Cultura ao Ministério do Turismo, assinada nesta quinta-feira, 7, retira das mãos de Osmar Terra (MDB), ministro da Cidadania, uma área que lhe rendia críticas de pessoas do governo, alas conservadoras e da esquerda. A crise na gestão da pasta transbordou em agosto, com a saída turbulenta de Henrique Pires do comando da secretaria. O ex-secretário disse em entrevistas que a "gota d'água" para deixar o cargo seria a suspensão do edital que selecionaria obras com temática LGBT para serem exibidas em TVs públicas.

A escolha do sucessor, o economista Ricardo Braga, nem sequer passou pelas mãos de Terra, que só foi conhecer o currículo de seu subordinado dias após a nomeação. Braga deixou a pasta nesta semana, após dois meses apagados na Cultura, para assumir cargo no Ministério da Educação.

A mudança dá força ao ministro do Turismo, Álvaro Antônio, alvo de desgaste por suspeitas relacionadas a desvio de recursos públicos por meio de candidaturas laranja nas eleições de 2018. Antes de bater o martelo sobre a transferência da secretaria, o governo cogitou encaixar a pasta nos ministérios da Casa Civil ou da Educação. No fim, venceu a tese de que o Turismo tem mais proximidade com a cultura.

"Projetos importantes para o Brasil já vinham sendo desenvolvidos em parceria pelas duas pastas, que possuem objetivos sinérgicos e naturalmente integrados, pois o Brasil é o 9º país do mundo em atrativos culturais para turistas", afirmou o Ministério do Turismo em nota.

Auxiliares de Osmar Terra reduzem o impacto da transferência da secretaria de cultura. Afirmam que a medida foi feita em acordo com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), e o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Bolsonaro e Terra conversaram durante viagem à China sobre a mudança na pasta.

Nos bastidores, no entanto, pessoas do governo apontam que havia forte descontentamento sobre a gestão de Terra na cultura. Para os mais conservadores, o ministro não conseguiu entregar políticas alinhadas ao discurso bolsonarista.

Repetidas vezes, Bolsonaro criticou o financiamento público de filmes e séries com temática LGBT. Em entrevista à youtuber Antonia Fontenelle, em setembro, o presidente disse que é preciso "retirar" dos órgãos públicos pessoas que "não aprovam" filmes com "temática do nosso lado". "O tempo vai fazer a gente descontaminar esse ambiente para a boa cultura no Brasil", disse. "Mudou o governo. Não é mais o PT, onde a família era um lixo, onde os valores familiares não valiam nada. Tá na constituição: o que é família? Homem e mulher. Tá escrito lá. Emende a constituição e a gente vê como fica. Como sou cristão, vai ter de apresentar uma emenda à bíblia também", declarou o presidente.

A mudança também ocorre após uma série de trocas no primeiro escalão de órgãos da Cultura, como na Funarte, Fundação Casa Rui Barbosa e Iphan.

Cotados à cultura

O ex-deputado federal Marcos Soares (DEM-RJ), filho do pastor R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, é cotado para assumir a secretaria de Cultura. Bolsonaro e R.R. Soares têm reunião na tarde desta quinta-feira.

Outro nome analisado é de um dos opositores de Terra, o diretor do Centro de Artes Cênicas (Ceacen) da Funarte, Roberto Alvim, ligado ao núcleo conservador do governo.

Em outubro, o ministro da Cidadania exonerou e, dias depois, readmitiu 19 servidores subordinados a Alvim. O movimento foi lido como tentativa frustrada de Terra mostrar força sob o diretor da Funarte.

Desde o recuo sobre as exonerações, Alvim tem sido chamado sozinho ao Planalto para debates do governo sobre cultura, área então abrigada pelo ministério de Terra. O diretor da Funarte é um nome de confiança de Bolsonaro.

O diretor da Funarte é cotado para assumir ou a Secretaria de Cultura ou a presidência da Fundação. O último cargo está vago desde segunda-feira, 4, data em que foi exonerado o pianista Miguel Proença. Ao jornal O Estado de S. Paulo, o músico disse que defender a atriz Fernanda Montenegro de ataques de Alvim foi decisivo para a sua saída.