A protagonista do drama alemão “Systemsprenger” ou “Transtorno Explosivo”, em exibição no Ouro Verde, é uma menina de apenas nove anos. Ela é resultado de uma família desfeita e sem condições de reverter sua raiva contra tudo e contra todos. É jovem demais para ser internada e violenta demais para ser adotada. Enquanto a observa manipular e maltratar aqueles ao seu redor, a diretora Nora Fingscheidt coloca espertamente o espectador no lugar dos adultos que tentam cuidar e/ou buscar a melhor solução para ela.

Estreado mundialmente no Festival de Berlim de 2019, o filme praticamente teve sua circulação mundial abortada, somente ganhando a tela grande a partir do inicio de 2021. É drama social de alta relevância, roteirizado com inteligência. Autêntico e convincente. A cineasta retrata seus personagens com sensibilidade, evitando julgá-los ou afrontar sua dignidade. Faz isso sem se deixar levar pela ânsia didática, sem edulcorar a infância e sem cair em moralismos.

A menina é retratada como uma pessoa vulnerável, mas também como alguém que não perde uma única oportunidade de piorar as coisas, e isso nos faz hesitar entre responsabilizá-la por seus atos ou culpá-la em uma sociedade que não sabe como protegê-la.

Benni (Helena Zengel) é uma garota incontrolável, com um trauma que causa ataques de pânico, muitas vezes resultando em agressões a si mesma e aos outros. Como sua mãe – descuidada e fraca, solteira e com duas outras pequenas – não pode cuidar dela, as creches estaduais cuidam da menina e tentam encontrar um ambiente adequado onde ela possa ficar. Mas à medida que você passa por diferentes pais adotivos, centros e até hospitais, parece claro que não haverá solução permanente que funcione.

Apesar dos esforços de uma assistente social, dos psiquiatras infantis e de outras crianças, as coisas não melhoram. A última esperança para Benni é Micha, experiente treinador para adolescentes intratáveis. Sua missão será acompanhar Benni à escola. O relacionamento deles se torna muito intenso e, depois de passar várias semanas com ela na floresta, um ponto de inflexão parece surgir naquele conturbado horizonte emocional.

É então, muito tempo depois do filme iniciado, que se percebe o pouco que é preciso para estragar a vida de uma criança para sempre, do mal quase banal que há por trás dos abusos físicos e psicológicos que existem. A diretora Fingscheidt faz muito bem em mostrar ao invés de julgar, dando ao filme uma atmosfera autêntica, quase documental.

Mas o filme talvez seria outro, não fosse o maravilhoso trabalho da jovem atriz Helena Zengel (a menina órfã resgatada por Tom Hanks no neo-western “Relatos do Mundo”), capaz de transitar sua implacável estridência entre a ferocidade e a fragilidade mais desesperada com incrível agilidade.

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