Entre as muitas vertentes que se encontram na grandiosa 3ª Bienal Internacional de Fotografia, que está acontecendo em Curitiba, estão os artistas plásticos que realizam experiências de linguagem utilizando a fotografia. O resultado é surpreendente. Um deles, que merece destaque, é o paulista Alex Flemming, que há 20 anos mora no exterior.
De seu atelier em Berlim, na Alemanha, ele respondeu à reportagem da Folha 2 , via e-mail. Embora esteja participando da bienal curitibana com cinco fotos gigantes da sua série ‘‘Body Builders’’, ele só virá ao Brasil no final do mês, quando irá inaugurar uma mostra individual em Belo Horizonte (MG), com outros exemplares da mesma série.
Alex Flemming tem 45 anos e já participou de inúmeras bienais e mostras em museus e instituições, como uma individual no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1996, e outra no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ), em 1998.
Sua técnica preferida é a pintura sobre superfícies não-tradicionais. Flemming é o autor, por exemplo, do painel permanente em exposição na Estação Sumaré do metrô de São Paulo. Neste ano, foi um dos seis estrangeiros residentes em Berlim a participar da ‘‘Exposição Mundial de Hannover/Feira Universal do Ano 2000’’.
Na série ‘‘Body Builders’’, Flemming apresenta fotos gigantes de jovens atletas, manipuladas através do computador, nas quais inseriu mapas de regiões em guerra, como se fossem tatuagens. As fotos ganharam ainda letras de músicas brasileiras e trechos da Bíblia. O objetivo do artista é levar ao público um questionamento sobre o absurdo da guerra, suas causas e consequências.
Por que você optou por viver e trabalhar na Alemanha?
Viver na Europa, ou melhor, na Alemanha, me proporciona um respaldo de crítica e informação que, infelizmente o Brasil ainda não proporciona a seus artistas. Na Alemanha, a arte faz parte do pão-nosso-de-cada-dia, enquanto que no Brasil o pão tem que ser conquistado todo dia literalmente. E o que é pior, as classes privilegiadas não se interessam por coisas mais profundas do que o carro do ano ou a roupa da moda.
Qual é a relação entre as artes plásticas e a fotografia, na atual fase de seu trabalho?
Acredito que a fotografia e as artes plásticas sempre estiveram em contato, pelo menos desde o princípio da fotografia. E dou exemplos: Picasso se utilizou (no retrato de seu filho sobre um jumento) de snap-shots, Bonnard fez grande parte de sua obra a partir de fotos, Bacon também. Se vocês quiserem eu posso dar uma lista ultra-completa... O interessante é que, até poucas décadas atrás, o pintor que usava fotos ou escondia o fato ou destruía as fotos, pois tal ato era mal-visto pela crítica e pela sociedade dita culta. Outros nomes que agora me lembro que se utilizaram da foto (e esconderam o fato): Gauguin (nada menos...) e La Douannier Rousseau. Quanto a mim, a fotografia sempre esteve presente em meu trabalho, desde o início. Minha série de gravuras sobre metal ‘‘Natureza Morta’’, feita em 1978 para denunciar as atrocidades e o absurdo da tortura na ditadura militar foi feita a partir de montagens fotográficas minhas. Logo após, em 1980, realizei a ‘‘Série Paulistana’’ (que foi prêmio num dos Salões Paranaenses e numa Mostra da Gravura de Curitiba), com a qual ganhei o prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), em São Paulo. Trata-se de uma série onde retratei aspectos variados da população da minha cidade natal, durante todo o ano de 1980, como uma espécie de Debret do final do século 20. Esta série foi mostrada no Masp durante um ano (1980). Me deram um painel no primeiro andar onde todo mês eu trocava meu trabalho e punha novas foto-gravuras. Após esta fase (‘‘Série Paulistana’’), ganhei a bolsa ‘‘Fulbrught’’ e fui morar em Nova York, onde realizei a série de pinturas ‘‘Male and Female Nudity in Photo-Abstract Way’’, a qual também expus na Galeria São Paulo, em 1983, e em Curitiba, no Solar do Barão, em 1984.
O seu trabalho sempre se manteve associado à fotografia?
Não. Após todas estas séries, abandonei por alguns anos o emprego da fotografia e me dediquei à pintura de múmias. Em 1989 voltei a aliar fotografia e pintura, com a minha ‘‘Série Atletas’’, na qual mais uma vez o corpo humano é o centro das atenções. Aí, parti para a série conceitual de pinturas sobre superfícies não tradicionais, onde pintei objetos, desde animais empalhados (série sobre a morte), sofás e poltronas (série sobre a ausência), às minhas próprias roupas (série sobre a solidão). Em 1997, já em Berlim, voltei a utilizar fotografias, desta vez na série ‘‘Body Buiders’’.
Fale mais sobre este trabalho.
Tirei fotos de corpos masculinos estatuariamente torneados, apliquei sobre estes corpos mapas de guerras contemporâneas (como se fosse uma tatuagem virtual) e sobre essas fotos gigantes (cada uma mede 2m10 por 1m70) pinto letras que falam de temas diversos (trechos da Bíblia e textos da MPB).
Qual foi a reação do público e da crítica quando você expôs esta série em Berlim?
A reação foi enorme por aqui, talvez pelo fato de que o tema ‘‘guerra’’ seja algo muito próximo na Europa. Atualmente, por exemplo, há a Yugoslávia aqui do lado, sem falar dos curdos contra os turcos, da Irlanda do Norte ou do Oriente Médio.
Qual a importância da Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba no contexto mundial?
A importância é extrema. Toda ação cultural feita profissionalmente, de caráter informativo ou de debate, merece nosso total e irrestrito apoio. O fato dela se perpetuar no tempo, sendo já a sua 3ª edição, mostra o respaldo e o apoio que tem da comunidade, tanto de críticos quanto de artistas.
A mostra de Alex Flemming faz parte da exposição ‘‘Linguagens da Imagem’’, da 3ª Bienal Internacional de Fotografia, que reúne outros 15 artistas plásticos e fotógrafos na Casa Vermelha (Largo da Ordem, em Curitiba). A bienal encerra no dia 26 de novembro.