Geralmente, a cor branca está associada à pureza, inocência, paz, harmonia e tranquilidade. Mas a escritora sul-coreana Han Kang confere outros significados ao branco em seu romance “O Livro Branco”.

Publicado pela editora Todavia, a obra utiliza a prosa poética não apenas para narrar uma história, mas para narrar a sensação de luto. O livro é formado por pequenos textos que exploram os sentimentos e sensações que encontram na cor branca uma correspondência.

Os elementos abordados pela autora são diversos. Começa com o branco do cueiro e termina com o branco da mortalha. No meio de tudo, aparecem sal, areia, neve, arroz, luz, gelo, papel, lençol, pomba, coelho, cão, rosa, lírio, fralda, algodão, nuvem, espuma, sorriso, cabelo, leite, vela, nevoeiro, osso, lenço, camisa, lua, açúcar, lâmpada, seda, farinha e muito mais.

Na língua coreana existem dois adjetivos associados à cor branca: “hayan” e “hwin”. O “hayan” está relacionado à pureza, limpeza e maciez do algodão. O “hwin” remete à ideia de vida e morte, ideia de transição. Em “O Livro Branco”, Han Kang escolhe o “hwin” para olhar de perto as palavras que designam elementos e coisas de cor branca: “Ao esfregar as palavras no coração, as frases poderiam fluir como o som triste e estranho emitido pela corda de metal de um arco ao ser puxada.”

Capa de "O Livro Branco". Kang possui outros dois romances publicados no Brasil: “A Vegetariana” e “Atos Humanos”
Capa de "O Livro Branco". Kang possui outros dois romances publicados no Brasil: “A Vegetariana” e “Atos Humanos” | Foto: Reprodução

De caráter profundamente íntimo, a narrativa traz uma mulher vivendo uma temporada em um país estrangeiro de inverno severo. Um lugar diferente onde o que mais causa estranheza é a neve que cai dia após dia deixando o mundo branco. Em recolhimento, ela se lembra que uma história que sua mãe contou certa vez no passado. A história de sua irmã mais velha que morreu logo ao nascer. Uma criança que não existiu.

A mãe, com 22 anos, pariu a primeira filha sozinha em casa durante um inverno intenso. Logo ao nascer, a mãe enrolou a recém-nascida em um cueiro branco. Uma criança que morre duas horas após o nascimento. Uma criança que tem como mortalha o próprio cueiro branco.

Em cada brancura que a personagem percebe, uma sensação surge para o entendimento de um luto escondido pelo passado: “A vida não é particularmente gentil com ninguém. O granizo cai enquanto ela caminha sabendo deste fato. Granizo que molha a testa, as sobrancelhas e a bochechas. Tudo passa. Ao andar, ela se lembra de que, no fim, tudo que você agarra usando todas as forças vai desaparecer. Não é gelo nem água. Mesmo que ela feche e abra os olhos, mesmo que fique parada ou ande depressa, o granizo umedece suas sobrancelhas e sua testa.”

Han Kang era uma escritora pouco conhecida até ganhar o prêmio Nobel de Literatura em outubro de 2024. Primeira autora coreana a receber o prêmio, sua literatura ganhou projeção mundial. Nas palavras da academia sueca, Kang merece ser reconhecida “pela sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana.”

No Brasil, além de “O Livro Branco”, Han Kang possui outros dois romances publicados pela editora Todavia traduzidos diretamente da língua coreana: “A Vegetariana” e “Atos Humanos”. Sua obra mais famosa, “A Vegetariana” narra a história de uma mulher que, de um dia para outro, decide deixar de comer carne para desgosto da família.

Ao mesmo tempo em que se distancia das carnes, também se separa do mundo. É um romance sobre o processo de isolamento. Um isolamento que se aprofunda mais e mais até o indivíduo perder todos os laços com o mundo. No processo, a personagem sofre uma metamorfose: lentamente se transforma em uma planta. Passa a viver de água e luz. Simplesmente não deseja mais fazer parte da espécie humana.

Nascida em 1970 na Coreia do Sul, filha de um casal de professores e escritores, Han Kang viveu um tempo na Europa e hoje é professora de literatura na Universidade de Seul.

No final de “O Livro Branco”, a autora sintetiza o encerramento do processo de luto com as seguintes palavras: “Com seus olhos, verei a parte interna, branca e clara de uma acelga, onde estão escondidas as folhas mais jovens e preciosas. Verei o frio da meia-lua durante o dia. Em alguns dias, as geleiras. Olharei para o enorme gelo, cada uma das curvas angulares em tom azulado. Algo que nunca foi vivo, parecendo ainda mais sagrado. Verei você no silêncio do bosque de bétulas. Na imobilidade da janela pela qual o sol de inverno penetra. No pó brilhante, balançando ao longo do feixe luminoso no teto oblíquo. Dentro desse branco, de todas as coisas brancas, respirarei o último suspiro que você deu.”

Serviço:

“O Livro Branco”

Autora – Han Kang

Editora – Todavia

Tradução – Natália T. M. Okabayashi

Páginas – 160

Quanto – R$ 68,90 (papel) e R$ 59,90 (e-book)