Tim Burton e seus fantasmas estão de volta às telas
Em exibição em Londrina, “Beetlejuice 2” é uma sequela de nostálgica vitalidade, mas falta ambição
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 10 de setembro de 2024
Em exibição em Londrina, “Beetlejuice 2” é uma sequela de nostálgica vitalidade, mas falta ambição
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
O recente festival de Veneza foi testemunha de um dos eventos mais esperados pelos fãs dos primeiros tempos de Tim Burton, aqueles que mal podiam esperar para desfrutar da continuação do primeiro grande sucesso de um dos diretores mais pessoais da cena fantástica, “Beetlejuice – Os Fantasmas se Divertem” (1988). Depois de quase quatro décadas, um dos personagens mais marcantes e divertidos do universo burtoniano finalmente voltou à tela grande, o desabusado e insolente fantasma magnificamente interpretado por Michael Keaton,
O filme, visto ainda hoje, continua a surpreender pela incrível mistura de comédia e terror, pelo seu imaginário visual avassalador, cheio de cenários e criaturas bizarras que povoavam um submundo hilário e politicamente incorreto, generosamente bem humorado, inclusive via arsenal de piadas escatológicas.
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Embora um projeto há muito adiado, este “Beetlejuice Beetlejuice” chega agora no momento certo para ressuscitar (nenhum trocadilho intencional) a carreira em declínio de um diretor que há anos não chegava perto do brilho de seus melhores momentos. Teríamos que voltar a 2007 para encontrar “Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco de Fleet Street”, última vez que recebeu a aprovação de crítica e público, em igual medida. O último lançamento de Burton, o live-action “Dumbo” (2019), foi visto como prova evidente de que o cineasta havia perdido aquela sua centelha característica, criando para a Disney um espetáculo visual tão aparente quanto carente de alma.
Sendo bem sincero: este “Beetlejuice” em estreia mundial também não fará parte dos grandes filmes de seu realizador e, infelizmente, está distante de conseguir tudo o que fez do original um clássico dos anos 80. No entanto, pode parecer modesto e de fato é: trata-se de um triunfo com o qual Burton recupera muitas das constantes do seu melhor cinema, ainda que usando (às vezes abusando) o fator nostalgia e dando acenos e homenagens intermináveis à cultura pop das imagens, não só à primeira parte de Beetlejuice mas também a muitos dos seus títulos, desde “Alice no País das Maravilhas” (2010) até “Noiva Cadáver” (2005), este ressurgido no momento pela sub-utilizada Monica Bellucci em seu papel como a tóxica ex, Dolores.
Desde as primeiras imagens de “Beetlejuice 2”, com aquela câmera sobrevoando a cidade e a lendária música de Danny Elfman de fundo, o filme sabe conquistar os nostálgicos menos exigentes que têm o original num pedestal. É um prazer estar de novo com Winona Ryder num papel de protagonista que parecia resistir-lhe ultimamente e a verdade é que ela mais uma vez fornece carisma à sua personagem
Lydia. Da mesma forma, Michael Keaton mais uma vez se destaca como o velho-novo mestre de cerimônias do espetáculo, já que, embora tenha perdido um pouco do seu jeito (os tempos atuais não são de irreverência excessiva), suas cenas continuam sendo as mais engraçadas – atenção à sua grotesca versão bebê, especialmente naquela hilariante piada às custas de “Carrie” de Brian De Palma (1976), com música de Pino Donaggio incluída – e o ator mostra-se ainda em plena forma para vestir mais uma vez seu personagem.
Nota dez para a sequência final, que recupera (e ilustra) com brilho surreal a canção maravilhosa que é “Macarthur Park” na voz de Richard Harris. E utilizada de novo, quase quarenta anos depois, outra maravilha, “Banana Boat” (Day-O), imortalizada por Harry Belafonte
Deve-se também aplaudir o fato de Burton ter recuperado os efeitos especiais mais artesanais, incluindo o stop motion, para nos devolver aquele submundo colorido onde acontecem as melhores passagens da história (o número musical na estação do trem das almas, por exemplo), sem abusar excessivamente do CGI. De qualquer forma, a sequência é muito menos criativa em nível visual do que em seu antecessor, e também deixa muitas subtramas e personagens secundários não desenvolvidos que poderiam ter sido melhor segmentados, especialmente aquele ator de ação, um fantasma que pensa que é detetive, interpretado pelo sempre genial e inestimável Willem Dafoe. A atração extra da trama que ocorre durante o Halloween fica também em segundo plano.
Com tudo isso, o filme revela-se obra menor na filmografia de Tim Burton. Sim, mas apesar de todos os senões (um final meio resolvido às pressas, algum desequilíbrio entre o interesse pelas tramas terrenas e as do Além), há que reconhecer que, para o realizador, trata-se de um regresso purificador às suas origens, e o resultado é a continuação digna, simpática e muito coerente do que se viu no primeiro filme. Aqui, Burton pouco arriscou, oferecendo aos seguidores daquele ícone exatamente o que eles queriam ver, aproveitando inteligentemente a oportunidade para recuperar uma pequena parte daquela sua essência, tão reconhecível, perdida nos últimos anos em fantasias artificiais sem alma.