Após terminar os estudos na Universidade de Harvard em 1837, Henry David Thoreau retornou à sua cidade natal, Concord, para trabalhar como professor. Após uma semana ministrando aulas foi convocado pela direção da escola para esclarecer porque não aplicava castigos físicos em seus alunos, prática usual na época como instrumento de ensino.

Thoreau argumentou que não fazia sentido educar através da violência de castigos físicos, de maus-tratos e humilhações. Não acreditava que espancando seus alunos estaria educando crianças, estaria apenas transformando o aprendizado em sofrimento e humilhação. Os diretores da escola não deram atenção aos argumentos, o jovem professor deveria aplicar o castigo físico nos alunos ou perderia o emprego.

Assim, para não perder o cargo de professor, Thoreau começa a espancar seus alunos sem sentido. Todos os dias sorteava ao acaso crianças para apanharem e serem humilhadas. Como não via sentido em espancar para educar, passou a espancar sem sentido e aleatoriamente. Após duas semanas como professor pediu demissão do cargo.

Esse episódio da vida de Thoreau (1817 – 1862) é um dos números exemplos de rebeldia do filósofo norte-americano presentes em “Henry David Thoreau”, primeira biografia do escritor publicada no Brasil. De autoria das jornalistas francesas Marie Berthoumieu e Laura El Makki, a obra não apresenta apenas a vida de Thoreau, mas também suas ideias ousadas para a época.

Henry David Thoreau: filósofo tinha ideias ousadas para sua época e estabeleceu íntima relação com a natureza
Henry David Thoreau: filósofo tinha ideias ousadas para sua época e estabeleceu íntima relação com a natureza | Foto: Thoreau Fundation/Reprodução

Lançado pela editora L&PM, o livro apresenta um homem que estabeleceu uma íntima relação com a natureza. Não é sem motivo que é considerado o “avô da ecologia”. Celibatário convicto, afirmava que sua alma gêmea era a Natureza, que chamava de “jovem esposa, doce companhia, terna e calorosa”. Para ele o respeito à natureza era uma necessidade ética de amorosidade: “Não devemos utilizar mesquinhamente aquilo que nos é dado generosamente”. Considerava a natureza um refúgio à maldade dos homens.

Henry David é autor de dois clássicos da literatura norte-americana: “Walden – A Vida Nos Bosques” (1854) e “Desobediência Civil” (1849). No primeiro relata sua experiência de viver sozinho numa cabana de floresta em total comunhão com o mundo natural. No segundo cria o conceito de não-violência e desobediência civil que seria popularizado no século 20 por figuras como Mahatma Gandhi e Martin Luther King. Thoreau simplesmente se recusa a pagar seus impostos por considerar que o governo estava utilizando os impostos para financiar a guerra contra o México. Preso, na cadeia cunha sua mais célebre frase: “O melhor governo é o que governa menos”.

Para o filósofo, a marcha do espírito era inseparável da marcha do corpo. Assim como o poeta francês Charles Baudelaire (1821 – 1867), elevou o ato de caminhar a categoria de arte. Para ele, movimentar-se não era uma prática para manter a saúde do corpo, mas uma prática para arejar a mente e ver o mundo com outros olhos. Realizava caminhadas que se prolongavam por semanas, sempre no seio da natureza selvagem.

A obra de Marie Berthoumieu e Laura El Makki revela uma contradição do criador da rebeldia da não-violência. Em sua luta anti-escravagista, já no final da vida, Thoreau começa a admitir, se necessário, a utilização da violência pelos escravos para a conquista da liberdade. Começa a justificar o uso da violência no caso da guerra contra a escravidão: “Não tenho nenhum desejo de matar e ser morto, mas posso prever casos em que um ou outro seriam inevitáveis.”

Thoreau escreveu diários regularmente até morrer aos 44 anos em 1862. Centenas de cadernos publicados integralmente no centenário de sua morte comemorado em 1962. Em seu último caderno, escreveu: “O homem é o artesão de seu próprio humor. Que ele desconfie ao se queixar da evolução dos acontecimentos, pois é seu próprio temperamento que está culpando. Se uma coisa é amarga, se outra é rude e outra abrupta, que ele se pergunte se não são por causa de si mesmo. Se sua aparência esfria os corações, que ele não se queixe de uma acolhida amarga. Se ele manca que não vá reclamar que o caminho é rude. Se seus joelhos o fazem sofrer, que não vá dizer que a colina é abrupta.”

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. | Foto: Reprodução

Serviço:

“Henry David Thoreau”

Autor – Marie Berthoumieu e Laura El Makki

Editora – L&PM

Tradução – Julia da Rosa Simões

Páginas – 144

Quanto – R$ 20,90