Na última sexta-feira ( 14), o Brasil perdeu um de seus grandes poetas. Thiago de Mello faleceu, aos 95 anos, na cidade de Manaus.

Um dos principais cantadores da floresta amazônica da literatura brasileira, Thiago de Mello deixou as seguintes palavras como epitáfio: “Pelo pouco que sei de mim, de tudo que fiz, posso me ter por contente. Servi à vida me valendo das palavras.”

Thiago de Mello: poeta que defendeu a Amazônia não falava mais em "preservação ambiental", mas em "salvação da vida"
Thiago de Mello: poeta que defendeu a Amazônia não falava mais em "preservação ambiental", mas em "salvação da vida" | Foto: Silva Junior/ Folhapress

Mello defendia a tese de que não se pode formar ou construir um poeta. Não se cansava de afirmar: “Eu nasci poeta.” Escreveu seu primeiro poema ainda moleque, em cima de uma árvore, com 11 anos de idade. Criou um desolado poema de poucas linhas pensando em uma cena que havia presenciado. Tinha visto seu melhor amigo morrer afogado nas águas do Rio Negro sem poder fazer nada.

Amadeu Thiago de Mello nasceu em Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha, interior do Amazonas, em 30 de março de 1926. Com 18 anos de idade se mudou para o Rio de Janeiro para estudar na Faculdade de Medicina e Filosofia. Na cidade, entrou em contato com a poesia e as pessoas de Manuel Bandeira (1896 – 1968) e de Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987). No 5º ano de faculdade resolveu abandonar a medicina para se dedicar totalmente à literatura. Uma literatura de forte carga emocional e com alto poder de comunicação afetiva.

Militante contra a ditadura militar instalada no Brasil em 1964, exilou-se no Chile onde passou a trabalhar ao lado do poeta chileno Pablo Neruda (1904 – 1973). Na sequência, seguiu exílio político em países como Argentina, França, Portugal e Alemanha.

Inspirado na Declaração dos Direitos Humanos de 1948, Thiago de Mello escreveu, em 1977, “Os Estatutos do Homem”, poema que o tornaria conhecido em todo mundo traduzido para mais de 30 línguas. Seus versos, que proclamavam um “ato institucional permanente”, atravessaram gerações com sede utópica de um mundo melhor.

No “Artigo II”, por exemplo, o poeta proclama: “Fica decretado que todos os dias da semana, / inclusive as terças-feiras mais cinzentas, / têm direito a converter-se em manhãs de domingo.” No “Artigo III”, o poeta propaga: “Fica decretado que, a partir deste instante, / haverá girassóis em todas as janelas, / que os girassóis terão direito / a abrir-se dentro da sombra; / e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, / abertas para o verde onde cresce a esperança.”

No “Artigo IV” prossegue: “Fica decretado que o homem / não precisará nunca mais / duvidar do homem. / Que o homem confiará no homem / como a palmeira confia no vento, / como o vento confia no ar, / como o ar confia no campo azul do céu. / Parágrafo único: / O homem confiará no homem / como um menino confia em outro menino.”

Ao longo dos versos, o poeta segue propondo o direito de todo ser humano, de toda e qualquer pessoa, às subjetividades de uma existência plena: “Artigo XI. Fica decretado, por definição, / que o homem é um animal que ama / e que por isso é belo. / Muito mais belo que a estrela da manhã. / Artigo XII. / Decreta-se que nada será brigado nem proibido. / Tudo será permitido, / inclusive brincar com os rinocerontes / e caminhar pelas tardes / com uma imensa begônia na lapela. /

Parágrafo único: / Só uma coisa fica proibida: / amar sem amor. / Artigo XIII. / Fica decretado que o dinheiro / não poderá nunca mais comprar / o sol das manhãs vindouras. / Expulso do grande baú do medo, / o dinheiro se transformará em uma espada fraternal / para defender o direito de cantar / e a festa do dia que chegou.”

Nos últimos anos de vida, Thiago de Mello dizia que havia dedicado toda sua existência a três causas principais. E que elas estavam presentes em toda sua obra, nos 16 volumes de poesia e nos 8 volumes de prosa que publicou.

A preservação da floresta amazônica seria a primeira das causas. Em suas últimas palestras não mais utilizava a palavra “preservação”. Devido aos sintomas do aquecimento global, passou a falar em “salvação da vida” da floresta amazônica e de seus povos.

A segunda causa seria a integração cultural da América do Sul. Thiago sonhava com uma comunhão cultural entre os povos e as etnias que formam os países latinoamericanos.

A construção de uma sociedade solidária era o ponto central da terceira causa. Em suas palavras: “Precisamos resgatar as mais belas virtudes humanas ameaçadas em nossa terra, as mais belas formas de amor, a delicadeza, a solidariedade, a bondade, a ternura, a atenção ao outro, o respeito mútuo... Resgatar sentimentos que estão se acabando em nossa convivência.”

Antes dos primeiros sintomas da doença de Alzheimer, em suas palestras, Thiago de Mello repetia que, no mundo em vivemos hoje, precisamos escolher entre duas opções extremamente claras. Escolher ente a utopia e o apocalipse. E reforçava sua escolha: “Eu preferi ficar no lado do amor, do lado da utopia.