Robert Pattinson veste a capa do Cavaleiro das Trevas pela primeira vez em um novo universo cinematográfico. Com foco no realismo e em estética marcante, resta saber se era isso que os preocupados fãs de DC Comics estavam esperando. De minha parte, mesmo sem carteirinha do clube, saí da sala convencido da visão de Batman proposta pelo diretor Matt Reeves e pelo ator Robert Pattinson: um herdeiro tipo Hamlet, incapaz de superar o choque primordial do assassinato dos pais (que o filme faz o enorme favor de não explicitar outra vez), mas com vontade de sobra para desmontar e questionar o próprio conceito de super-herói. Entre outras coisas possiveis de captar ao longo dos 176 minutos de duração - nenhum tédio ou enfado - é isto que torna o filme tão bom.

“The Batman” começa com Bruce Wayne/Batman já com dois anos de agitadas e punitivas jornadas noturnas. Um monólogo 'noir' espesso, nervoso e clássico paira sobre uma montagem de crimes acontecendo em Gotham City na noite de Halloween. E o Morcego vem carregando a responsabilidade da segurança de toda a cidade firmemente em seus ombros. Ele lamenta: "Não posso estar em todos os lugares", diz enquanto uma loja é assaltada à mão armada. Mas quando Batman decide qual bandido derrubar, ele o faz com uma brutalidade ainda não vista nas iterações anteriores do personagem.

Pattinson surge impecável nesta interpretação visceral do Batman. Seus socos aterrissam com a crueldade satisfatória, ainda que arrepiante, que quase faz parecer que ele sente prazer em quebrar ossos. Se O Cavaleiro das Trevas de Christian Bale/Nolan fez questão de usar o "medo" como arma contra seus inimigos, a versão de Pattinson vai um passo além: não raro ele incita puro terror. Bandidos correm só de pensar nele. Até pessoas que ele salva estão aterrorizadas com o que ele possa fazer.

O filme  tem em Gotham City o local ideal para explorar falhas do sistema e corrupção política, cenário no qual um vigilante Batman se torna necessário
O filme tem em Gotham City o local ideal para explorar falhas do sistema e corrupção política, cenário no qual um vigilante Batman se torna necessário | Foto: Divulgação

À medida que a trama avança, o espectador vai se dando conta que o mais sombrio, traumatizado, introspectivo e clássico dos super-heróis ganhou um filme feito sob medida, nesta versão de Matt Reeves. Aos poucos, uma espécie de combo que entrelaça filme 'noir' baseado em filmes de detetive, thrillers de serial killers e o cinema de intriga política dos anos 1970 mostra que a nova saga de aventuras do mítico vingador noturno foge um tanto do que ele vem praticando. O que temos aqui e agora na tela é a opção por um registro sério e severo, tão severo quanto violento. Os caminhos do 'film noir' e de mafiosos encontra em Gotham City o local ideal, como sempre, para explorar falhas do sistema, corrupção política e até negligência policial, cenário no qual um vigilante como Batman se torna necessário.

E "The Batman" é também um filme de serial-killer. Há o terrível assassinato do prefeito de Gotham City por uma misteriosa figura vestida de preto que parece se materializar do nada . Há o Charada, que envia para Batman mensagens habilmente escondidas, junto com outros comunicados (embora não particularmente difíceis de decodificar) cifrados, muitas vezes incorporados de alguma forma em seus dispositivos de assassinato e tortura, à la Seven ou Jogos Mortais ou Zodiac. O criminoso tem como alvo figuras corruptas da elite da cidade e, a cada nova vítima, fica claro que ele procura desvendar e expor uma conspiração muito maior e mais complicada.

Isso não torna as coisas mais fáceis para o nosso agora morcego-detetive, cuja busca obsessiva para encontrar o assassino parece estar levando a algumas revelações pessoais – embora a natureza precisa do motivo pelo qual Charada está mirando Batman eventualmentre se transforme em genuína surpresa que não deve ser aqui difundida (ah, a corrupção...)

Basta por ora dizer que parte do mistério envolve pesada sordidez via o chefão do crime de Gotham, Carmine Falcone (John Turturro, carisma imperecível), e seu parceiro de boate, o Pinguim (um deliciosamente exagerado Colin Farrell, sob meia tonelada de maquiagem protética fazendo lembrar um Danny Aiello atropelado por uma colheitadeirra). Ainda naquela boate, Bruce encontra a bela Selina Kyle (Zoe Kravitz) – não esquecer que sempre houve tensão sexual entre Batman e Mulher–Gato . E "The Batman" propõe essa dinâmica de forma mais incisiva.

Especialmente em sua reta final, o filme deixa claras suas intenções com uma carga política marcante, dando o toque final a uma reinvenção interessante: Batman como herói e pessoa no contexto de uma Gotham em processo de mudança. Uma Gotham que, como sempre, reflete nosso próprio mundo e que aqui nos conta como a resistência a essa mudança cria monstros. É assim que Reeves nos convida a abraçar as novas versões dos personagens emblemáticos da DC, conseguindo algo que parecia muito difícil: contar algo novo sobre um mundo do qual pensávamos já termos ouvido tudo.

Imagem ilustrativa da imagem 'The Batman', tão bom quanto os de Christopher Nolan
| Foto: Divulgação