Depois de ficar sem desfile pela primeira vez em sua história, a Marquês de Sapucaí reabrirá os portões para as escolas de samba matarem a saudade do público em 2022. A pandemia impediu a realização do “maior espetáculo da terra” ano passado, o que exigiu das agremiações fluminenses um esforço maior para contornar a crise financeira e fazer uma festa ainda melhor no ano que vem. As 12 escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro definiram seus sambas-enredo no final de setembro, no último estágio antes de iniciarem a contagem regressiva para entrar no sambódromo, nos dias 27 e 28 de fevereiro.

Depois de defender enredos com forte crítica social, Mangueira vai voltar ao carnaval homenageando grandes nomes da sua história
Depois de defender enredos com forte crítica social, Mangueira vai voltar ao carnaval homenageando grandes nomes da sua história | Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), já anunciou que o desfile será realizado sem limitação de público nas arquibancadas e que não serão necessárias as regras de distanciamento social recomendadas pela comunidade científica, o que gerou questionamentos por parte dos profissionais que atuam na linha de frente de combate à Covid-19 na Cidade Maravilhosa. Será que até lá a pandemia estará controlada?

Apesar do hiato de dois anos sem carnaval, a saudade da folia não será a tônica na Sapucaí. Em 2022, a temática afro vai dar o tom na avenida. Metade das escolas escolheu a cultura africana como enredo, seja destacando a religiosidade e as heranças étnicas do continente negro ou enaltecendo a valorização da raça. Os enredos biográficos também estarão presentes, casos da Mangueira, que homenageará de uma vez só seu fundador e poeta maior, Cartola, o intérprete Jamelão e o mestre-sala Delegado; da Vila Isabel, exaltando seu genial bamba Martinho da Vila; e da São Clemente, que contará a trajetória do humorista Paulo Gustavo, uma das mais de 600 mil vítimas fatais da Covid-19 no Brasil.

Veja os enredos por ordem de apresentação das escolas na Sapucaí.

IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE

De volta à elite do carnaval carioca após o rebaixamento em 2019, a Imperatriz Leopoldinense abre os desfiles homenageando dois carnavalescos que contribuíram para revolucionar os desfiles nos anos 70 e 80, Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona. Com o enredo “Meninos eu vi... onde canta o sabiá, onde cantam Dalva e Lamartine”, a escola de Ramos aposta na criatividade da veterana carnavalesca Rosa Magalhães, campeã cinco vezes pela agremiação verde, branca e dourada. Foi com ela, inclusive, o último título da Imperatriz, em 2001.

MANGUEIRA

Cartola será um dos homenageados da Mangueira, junto com  Jamelão e Delegado
Cartola será um dos homenageados da Mangueira, junto com Jamelão e Delegado | Foto: Ubirajara Dettmar/ Folhapress

Após defender dois enredos de forte crítica social, em 2019 e 2020, a Estação Primeira de Mangueira volta o olhar para sua história e leva para a avenida o tema “Angenor, José e Laurindo”, primeiros nomes respectivamente de Cartola, Jamelão e Delegado. Uma homenagem ao seu fundador e maior referência, ao intérprete considerado o grande mestre na função, e a um dos mais lendários mestres-sala de todos os tempos. O samba escolhido pela escola tem a assinatura do craque Moacyr Luz e trechos inspirados – “as rosas não falam, mas são de Mangueira”. A Verde e Rosa, campeã em 2019, será a segunda a desfilar no domingo.

SALGUEIRO

Terceira escola a entrar no sambódromo, a Acadêmicos do Salgueiro é uma das que abordarão a cultura negra na Sapucaí. O enredo “Resistência” fala sobretudo do empoderamento da raça, um tema bastante caro à escola do morro do Salgueiro. A agremiação vermelha e branca foi pioneira nesse quesito, lá nos anos 60, numa época em que a maioria das escolas apelava para enredos nacionalistas e oficialescos em tempos de ditadura militar. É apostando mais uma vez na negritude que o Salgueiro vai em busca de um título que não conquista desde 2009.

SÃO CLEMENTE

Paulo Gustavo, falecido em maio, será homenageado na São Clemente com o enredo "Minha vida é uma peça"
Paulo Gustavo, falecido em maio, será homenageado na São Clemente com o enredo "Minha vida é uma peça" | Foto: Vittor Pollak/ Globo

A comoção nacional provocada pela morte do humorista Paulo Gustavo em maio fez a São Clemente mudar seu enredo e homenagear o criador de “Minha mãe é uma peça”. A escola da zona sul do Rio contará a trajetória do artista em “Minha vida é uma peça”, aproveitando também para defender a tolerância e a diversidade, já que o humorista era assumidamente homossexual e fazia questão de compartilhar nas redes sociais sua vida em família com o marido e os dois filhos. Um dos refrãos do samba-enredo diz que “mulher com mulher tudo bem, homem com homem também, o negócio é amar alguém”. A escola amarela e preta será a quarta a desfilar.

VIRADOURO

Atual campeã, a Unidos do Viradouro matará a saudade do carnaval falando da própria folia de Momo. Penúltima a entrar na avenida no domingo (27), a escola de Niterói e São Gonçalo se inspirou na festa popular de março de 1919, considerada a maior da história do Rio de Janeiro. Na ocasião, como agora, o mundo se recuperava da maior pandemia do século, a Gripe Espanhola, que dizimara milhares de vidas no ano anterior. Os jornais cariocas registraram três meses de folia para tirar o atraso. A agremiação vermelha e branca fará um paralelo com tudo o que vimos vivendo na atual pandemia do coronavírus no enredo “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria”.

BEIJA-FLOR

Encerrando o primeiro dia de desfiles, a Beija-Flor de Nilópolis, maior campeã da Era Sambódromo (iniciada em 1984), falará sobre o orgulho da raça negra e a eterna luta contra a discriminação. Com “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”, a escola da Baixada Fluminense levanta uma bandeira similar à do Salgueiro e usará um samba engajado para despertar a causa. Um dos trechos faz menção às mortes de negros por forças de segurança, sejam em confrontos nas favelas ou em abordagens policiais – “foi-se o açoite, a chibata sucumbiu, e o meu povo ainda chora pelas balas de fuzil”. Dez vezes campeã no Sambódromo, a Beija-Flor levou o título pela última vez em 2018.

PARAÍSO DO TUIUTI

A menos tradicional das escolas de samba do Grupo Especial abre um segundo dia de desfiles dominado pelos temas afros. A Paraíso do Tuiuti, cujo samba também é de coautoria de Moacyr Luz, tem como tema “Ka Ríba Tí Ye – que nossos caminhos se abram. A Tuiuti canta histórias de luta, sabedoria e resistência negra”. A escola azul e amarela do Morro do Tuiuti usa as referências das crenças africanas para exaltar os negros que marcaram a história da humanidade.

PORTELA

A maior campeã do carnaval carioca também lança mão da cultura e religiosidade africanas para tentar seu primeiro título sozinha desde 1970 – em 1980, 1984 e 2017 a escola de Oswaldo Cruz e Madureira dividiu o campeonato com outras agremiações. O enredo “Igi Osè Baobá” se inspira na chamada Árvore Mãe africana (baobá) para exaltar as manifestações culturais afro-brasileiras, como o próprio samba. Um tema fartamente explorado pelas escolas em outros carnavais, mas o que se espera é que apresente novas leituras. A conferir, quando a águia portelense sobrevoar a avenida no segundo desfile da segunda-feira, 28.

MOCIDADE

Campeã junto com a Portela em 2017 e terceira colocada em 2020, a Mocidade Independente de Padre Miguel espera que o bom samba composto por Carlinhos Brown e companhia faça a diferença e a leve novamente à disputa pelo título. A verde e branca da zona oeste carioca, terceira a desfilar, vai defender o tema “Batuque ao caçador” para exaltar os ritmistas de ontem e de hoje. Um enredo repleto de referências nos ancestrais africanos e que culmina em uma homenagem aos batuqueiros do samba e da própria escola.

UNIDOS DA TIJUCA

Usando e abusando das lendas indígenas na Amazônia, a Unidos da Tijuca falará sobre o fruto do guaraná na quarta apresentação da segunda-feira do Carnaval. A escola azul e branca do Morro do Borel, três vezes campeã na década passada, tem como enredo “Waranã, a reexistência vermelha”. Um relato sobre os costumes e crenças de tribos que cultivavam o fruto vermelho transformado em refrigerante brasileiro. Tem cara de enredo patrocinado. Uma aposta (arriscada) de uma escola que tenta voltar ao rol das favoritas após ficar de fora do desfile das campeãs nos últimos quatro carnavais.

GRANDE RIO

A escola preferida de alguns artistas globais – as más línguas a chamam de Unidos do Projac – promete destrancar a avenida no penúltimo desfile de 2022. Com o enredo “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu”, a Acadêmicos do Grande Rio vai exaltar Exu, aquele que no candomblé é descrito como a divindade mensageira, elo entre o humano e o divino. A escola branca, vermelha e verde de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, bateu na trave no último carnaval – foi a vice-campeã – e tenta quebrar o jejum e conquistar seu primeiro título no Grupo Especial.

VILA ISABEL

Autor de grandes sambas-enredo, Martinho da Vila será tema da Vila Isabel
Autor de grandes sambas-enredo, Martinho da Vila será tema da Vila Isabel | Foto: Alexandre Brum/ Agência Enquadrar/ Folhapress

Felizmente, quis o destino que a escola que vai encerrar os desfiles do carnaval de 2022 traga como enredo uma da maiores personalidades vivas do samba. Martinho da Vila, aos 80 anos, é o tema de sua amada Unidos de Vila Isabel – “Canta, canta, minha gente! A Vila é de Martinho!”. Uma demorada, mas justíssima homenagem ao cara cuja trajetória se confunde com a da própria escola aviceleste do bairro de Noel Rosa. Além de compor maravilhas exaltando a agremiação – “Renascer das cinzas” virou um hino não oficial da Vila –, Martinho fez obras-primas em forma de samba-enredo que a escola levou para a avenida. Uma pena, porém, que a obra que o exaltará desta vez não esteja à altura do mestre. Martinho merecia um samba melhor.

SERVIÇO

Carnaval 2022 - Desfile do Grupo Especial

Quando - 27 e 28 de fevereiro (domingo e segunda-feira de Carnaval)

Onde: Marquês de Sapucaí - Rio de Janeiro

Quanto: De R$ 160 a R$ 500

Ingressos à venda no site Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba)