'Tel Aviv em Chamas' é herdeiro do Woody Allen de 'Tiros da Broadway'
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terça-feira, 26 de janeiro de 2021
INÁCIO ARAÚJO
FOLHAPRESS - Não é preciso ir longe para encontrar a inspiração de Tel Aviv em Chamas, herdeiro direto do Woody Allen de Tiros na Broadway , de 1994. Ali, um dramaturgo intelectual, mas sem talento, acaba tendo seu texto retocado, corrigido e, na verdade, reescrito por um gângster que não suporta ver aquele desperdício no palco.
Aqui, Salam é o desajeitado assistente de uma novela palestina que tem o mesmo nome do filme. Está lá porque seu tio é o produtor e o protege, nada mais. Um palpite que dá aqui, outro ali, mais o azar ou a sorte, acabam por promovê-lo a autor da novela, coisa para a qual não tem nenhuma competência.
Como ele mora em Jerusalém e a novela é rodada em Ramallah, na Palestina, é obrigado a atravessar, diariamente, o posto de fronteira israelense, com aquelas revistas rigorosas (para dizer o mínimo), que acontecem por lá. Por azar ou por sorte, ele topa numa dessas revistas com um oficial israelense cuja mulher adora a novela.
É esse oficial que se torna o, digamos, tutor do texto. Ou o primeiro tutor. Pois ao longo da comédia Salam terá que tourear os patrocinadores, os colegas, os atores, cada um trazendo-lhe seus problemas, desejos ou caprichos.
Mas o problema maior, claro, é que o oficial israelense encaminha a novela para um lado que os palestinos não conseguem engolir. Então ele tem que tapear ora um lado, ora outro, enquanto ao mesmo tempo tenta seduzir Mariam, a bela médica palestina por quem é apaixonado.
Dada a proximidade com Tiros na Broadway, obviamente não se pode dizer que seja uma proposta muito original. Não é só a ideia geral que vem de lá, mas toda a estrutura do filme de Sameh Zoabi. Ao mesmo tempo, é essa influência tão presente que permite ao filme introduzir certo frescor na árida disputa entre palestinos e israelenses (além do jeito meio parvo do protagonista Salam, o por sinal bem talentoso Kais Nashif).
Algo, porém, é bastante revelador, pois é a partir da opção pela comédia é que nos damos conta de o quanto esses dois povos inimigos podem ser, paradoxalmente, muito próximos; possam se interessar pelas mesmas coisas, pelas mesmas guloseimas. E até pelas mesmas novelas.
Por aí, também, nos damos conta (a ser verdade o que está no filme) que mesmo nessa região tormentosa que é o Oriente Médio, o público no fundo está pouco se lixando para a trama de espionagem ou para saber se quem vai se dar bem no fim da ficção é um lado ou outro. Quer é saber da trama romântica.
Não será demais questionar esse frescor e leveza de Tel Aviv em Chamas, já que aplicados a um dos problemas mais espinhosos do tempo presente. Conhecemos essa leveza e esse frescor quando levados por Elia Suleiman, por exemplo. Suleiman trata com ironia, porém com amargor, da situação palestina. Já Sameh Zoabi parece encará-la como algo que faz parte da natureza das coisas: melhor rir do que chorar.
Salva-o da iniqüidade, no entanto, um belíssimo plano em que nosso herói, Salam, vaga desesperado e sem documentos ao lado daquele monumento monstruoso construído por Israel, que é o muro que separa os dois povos e parece existir para deixar claro aos palestinos que eles estão num grande presídio.
É um dos raros momentos em que Tel Aviv em Chamas nos lembra de que não há muito a festejar além do misto de alívio pessoal e êxito romântico-profissional que o simpático Salam, inadvertidamente e aos trancos e barrancos, persegue. Pode-se também pensar que, mesmo na sempre tensa situação do Oriente Médio as pessoas querem, de tempos em tempos, fugir da árida realidade. Quem os reprovará?
TEL AVIV EM CHAMAS
Avaliação: bom
Onde: Disponível no Belas Artes à la Carte
Classificação: 12 anos
Elenco: Kais Nashif, Lubna Azabal, Yaniv Biton
Direção: Sameh Zoabi