Tarcísio Meira pode ser considerado o rosto do século 20 da teledramaturgia nacional
Tarcísio Meira pode ser considerado o rosto do século 20 da teledramaturgia nacional | Foto: João Miguel Jr/ Tv Globo

São Paulo - Um dos grandes nomes da TV brasileira, Tarcísio Meira morreu, aos 85 anos, nesta quinta-feira (12). O ator recebeu diagnóstico positivo para Covid-19 em 6 de agosto e não resistiu às complicações decorrentes do vírus. Tarcísio contraiu o coronavírus junto à sua mulher, Glória Menezes, de 86 anos. Eles estavam juntos desde 1962 e haviam completado a vacinação contra Covid-19 em abril. Desde então, o casal estava isolado no sítio da família, em Porto Feliz, no interior de São Paulo.

Se existiu um rosto no fim do século 20 que melhor representou o papel do galã no país foi o deste paulistano, que marcou sua passagem pela TV brasileira interpretando homens viris, inteligentes e, com frequência, ricos. Assim eram, por exemplo, o executivo Renato Vilar, da novela “Roda de Fogo”, de 1986, e o escritor Euclides da Cunha, da minissérie “Desejo”, de 1990, para lembrar dois momentos altos na trajetória deste intérprete de voz limpa e queixo anguloso.

Tarcísio Magalhães Sobrinho - esse era seu nome de batismo - nasceu em outubro de 1935 e não pensava em seguir carreira na televisão quando era adolescente. Estudou para ser diplomata, foi reprovado no vestibular e acabou investindo numa opção que até então considerava ser um hobby - o teatro.

Os primeiros passos rumo ao estrelato foram dados num grupo amador do clube Pinheiros nos anos 1950. Foi ali que ele, jovem filho de um dentista com uma dona de casa de quem resgatou o sobrenome Meira, descobriu sua vocação, para o drama principalmente e para raros momentos cômicos. Em 1959, estreou no teatro profissional num espetáculo com a direção de Sérgio Cardoso, “O Soldado Tanaka”, com texto do alemão George Kaiser.

Não demorou para que fosse descoberto pela televisão. No mesmo ano, conseguiu um papel no teleteatro da TV Tupi. Fez o episódio “Noites Brancas”, adaptação de obra do russo Fiódor Dostoiévski. Dois anos depois, em “Uma Pires Camargo”, também uma peça de teleteatro, contracenou pela primeira vez com Glória Menezes, com quem se casou cerca de um ano depois e teve seu único filho, Tarcísio Filho, de 56 anos, também ator.

Com fama de casal exemplar, Tarcísio e Glória protagonizaram, em 1967, a primeira telenovela integralmente assinada por Janete Clair, “Sangue e Areia”.

Ainda jovem, com seu 1,81 metro de altura, Tarcísio consolidou fama como intérprete de protagonistas da Globo. Fez “Escalada”, de 1975, novela de Lauro César Muniz, dramaturgo com quem voltaria a trabalhar em “Roda de Fogo”, por exemplo. As participações na televisão somaram mais de 50 obras.

Os papéis de época também ganharam notoriedade. Na minissérie “Grande Sertão: Veredas”, de 1985, adaptação do livro de Guimarães Rosa exibida pela Globo, interpretou o cangaceiro Hermógenes. No mesmo ano, também fez Capitão Rodrigo, papel central da minissérie épica “O Tempo e o Vento”, de 1985, uma adaptação de obra de Érico Veríssimo.

Sua passagem pelo cinema se concentra nos anos 1970 e 1980, quando trabalhou com grandes diretores brasileiros, entre eles Glauber Rocha –em “A Idade da Terra”, de 1980– e Walter Hugo Khouri –em “Amor Estranho Amor”, de 1982, e “Eu”, de 1987.

Foi muito elogiado por sua atuação no filme “República dos Assassinos”, de 1979, obra de Miguel Faria Júnior em que interpretou um homem austero passando pelo universo de grupos de extermínio, dentro de corporações policiais.

BEIJO NA BOCA EM LATORRACA

Tarcísio Meira também marcou o cinema nacional com o famoso beijo na boca que deu no ator Ney Latorraca no longa “O Beijo no Asfalto”, adaptação da peça de Nelson Rodrigues dirigida por Bruno Barreto, levado à telona em 1981. Nos anos 1990, o ator concentrou suas atividades na TV. Atuou em “De Corpo e Alma”, de 1992, “Fera Ferida”, de 1993, “Pátria Minha”, de 1994, e “Torre de Babel”, de 1998.

Mais recentemente, interpretou Aristide, de “Páginas da Vida”, novela de Manoel Carlos de 2006, e o patriarca Frederico Copola, de “A Favorita”, de 2008, novela na qual voltou a contracenar com a mulher, Glória Menezes.

O casal também esteve junto sobre o palco em “Um Dia Muito Especial”, de 1986, adaptação do filme italiano de 1977, estrelado por Marcello Mastroianni e Sophia Loren. Foi um raro retorno de Tarcísio Meira ao teatro. Mais recentemente, Meira interpretou um empresário corrupto em "A Lei do Amor", de 2016, e chegou a participar de "Orgulho e Paixão", de 2018, mas deixou o elenco devido a problemas de saúde.

Em 2015, ele quebrou um hiato de 20 anos sem atuar no teatro para viver o protagonista da peça "O Camareiro", um ator adoecido e de idade avançada que tem dificuldades de se locomover e lembrar as falas de sua última peça. Ele reprisou o papel em 2019, aos 83 anos.

Em setembro do ano passado, em meio à pandemia e à ascensão do streaming, a Globo demitiu Tarcísio Meira, Glória Menezes, Antônio Fagundes e outros nomes de peso que, há décadas, eram exclusivos do canal. Meira e Menezes eram os mais antigos e estavam na Globo desde 1967, num total de 53 anos na emissora.

Entre os prêmios que recebeu em sua trajetória estão de melhor ator, oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, por sua atuação na minissérie “A Muralha”, de 2000, da Globo. Paralelamente à carreira, também se dedicou a atividades agrícolas. Gostava de plantar e era dono de terras.

PAULO JOSÉ DEIXA TRAJETÓRIA BRILHANTE

No cinema, no teatro e na TV, Paulo José teve uma trajetória brilhante
No cinema, no teatro e na TV, Paulo José teve uma trajetória brilhante | Foto: Paulo Belote/ Globo

São Paulo - O ator Paulo José, um dos principais nomes da história do cinema e da televisão brasileira, morreu na quarta-feira aos 84 anos em decorrência de uma pneumonia. A informação foi confirmada pela TV Globo. O ator, que estava internado havia 20 dias em um hospital no Rio de Janeiro, ficou célebre por protagonizar filmes como "Todas as Mulheres do Mundo", de Domingos Oliveira, "Macunaíma" e "O Padre e a Moça", de Joaquim Pedro de Andrade, além de novelas como "Por Amor" e "Explode Coração".

Paulo José teve uma carreira prolífica que cobriu mais de cinco décadas, mas havia anos estava afastado das telas por causa de um quadro de doença de Parkinson. Seu último grande papel no cinema foi em "O Palhaço", dirigido por Selton Mello há dez anos. Na Globo, sua participação de despedida foi na novela "Em Família", de 2014. Mais recente, o documentário "Todos os Paulos do Mundo", de 2017, relembrou sua trajetória.

Paulo Guimarães Gómez de Souza, gaúcho de Lavras, era doce, amistoso e sempre disposto a trabalhar. Em 1993 recebeu o diagnóstico de Parkinson, depois de uma maratona de três dias sem dormir - para gravar um especial da Globo - e algumas doses de uísque White Horse.

"Meu reino por um cavalo", parodiou o artista-diretor após a maratona. "Cavalo branco", completou, como revelou ele próprio num depoimento. Após beber, teve uma crise, acordou sem movimentos, com dificuldade de falar. Procurou um médico que fez dezenas de exames e, por eliminação, diagnosticou o degenerativo Parkinson.

A notícia da doença se espalhou com muito mais velocidade que a própria, e em pouco tempo os colegas o olhavam com compaixão, evitavam causar estresse ou dar papéis difíceis a ele. Não demorou para a má notícia chegar à cúpula da Globo. A emissora correu em seu auxílio.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, o licenciou da produção de novelas e o mandou para consulta nos Estados Unidos, no hospital mais especializado do mundo em Parkinson. O ator passou meses em exames e fora do ar. Poucos anos depois, ainda descobriria ser portador de outra doença crônica, um enfisema pulmonar, provavelmente causado pelo fumo - hábito que reduziu, mas nunca abandonou.

Vasculhando o minucioso site Memória Globo, é praticamente impossível encontrar qualquer outro artista - homem ou mulher - que tenha uma carreira tão produtiva quanto Paulo José. Respire fundo.

Em seu currículo ele conta com quase 30 novelas, 13 minisséries, alguns programas infantis, juvenis, humorísticos, quase 50 longas e documentários para o cinema e um número incalculável de peças de teatro. Ganhou três vezes o Candango de melhor ator e um Kikito, no Festival de Gramado. Merecidamente foi homenageado no 5º Festival de Teatro do Rio de Janeiro.

No teatro, fez de tudo sobre o palco e na coxia. Interpretou de Chico de Assis a Brecht, em "O Testamento do Cangaceiro" e "Os Fuzis da Senhora Carrar"; de Molière a Kondoleon, em "A Mandrágora" e "Delicadas Torturas"; de Tiago Santiago a Augusto Boal, em "A Fonte Eterna da Juventude" e "Revolução na América do Sul". Fora suas próprias obras ou primorosas adaptações.

Não só foi ator, mas carregou o cenário nas costas. Literalmente. Foi ator, produtor, diretor, roteirista, escritor, cenógrafo, iluminador e figurinista. Foi também empresário, dono de teatro, praticamente fundou o Teatro de Equipe e também foi investidor do teatro Arena.

No cinema, a mesma coisa. Só faltou ser lanterninha ou pipoqueiro.

Foi casado várias vezes. Oficialmente, com Dina Sfat, com Zezé Polessa e com Kika Lopes. Teve quatro filhos com espírito também artístico - Ana, Clara e Bel Kutner e Paulo Caruso -, mas teve muitos outros relacionamentos, longos, porém sem "oficialização". Adorava a família e amava viver junto. "Eu adoro casar. Não canso", disse.

Além desse "pequeno" legado, todas as semanas também tocava piano, fazia aulas de canto, de técnicas vocais, de terapia corporal, yoga, e centenas de sessões de fonoaudiologia. Deixou inúmeros roteiros prontos, ditou um audiolivro.

E fumava. Vá lá, dois ou três cigarrinhos por dia, mas fumava. Quando alguém se surpreendia com o vício, respondia à la Mario Quintana. "Fumar é uma maneira disfarçada de suspirar."

Hoje é o Brasil que suspira pela falta não só de Benjamim, mas de Shazam de "O Primeiro Amor" (tão fofo que acabou ganhando série própria com Flávio Migliaccio, o Xerife); do Ivan, de "Vamp"; do Marcelo de "Supermanoela"; do Celso Rezende de "Roda de Fogo". (Ricardo Feltrin / Folhapress