Um colega me perguntou por que eu não redijo textos mais ácidos, polêmicos, enfrentando o debate sobre os temas mais discutidos do momento. Isso, ele garantiu, me renderia curtidas e escrachos, comentários ferozes e grandes aplausos. Ele também me lembrou que perdi a oportunidade de retrucar uns dois ou três indivíduos que escreveram para o jornal a fim de “bolsonarizar” minha coluna. Devo confessar que esse tipo de cobrança em relação a mim está longe de ser casual.

Respondo a esse tipo de observação com uma máxima de Machado de Assis: “Sofro de tédio à controvérsia”. Sou avesso a exposições gratuitas. Para mim, importante é o debate de ideias, de modo atemporal, perene, presente naquilo que considero vital à humanidade. Tal qual Walter Benjamim, só recorro à minha experiência pessoal quando ela for capaz de dialogar com os sujeitos de meu tempo, inquietá-los, fazê-los se sentir parte de um grande movimento histórico. Tenho horror a exibicionismos e tentativas insistentes de atrair holofotes. Permaneço fiel ao sonho de boa parte da minha geração: morar numa casinha simples, à beira mar, meio isolado do mundo, onde possa apreciar o pôr do sol e escrever muitos romances.

A turma à qual pertenço é filha do falso “milagre econômico” e cresceu durante a “década perdida”. Nascemos durante uma ditadura, mas nos demos conta da vida quando se lutava para respirar ares democráticos. Nesse intervalo, sobreveio uma imensa dúvida geracional: qual seria nossa marca no tempo? Quem puxa pela memória os anos 1980, recorda histórias em quadrinhos, seriados de TV, Rock in Rio, videogames, seleção de Telê, crise das utopias, pós-modernismo cultural, desdobramentos da anistia política, Henfil, Diretas Já!, literatura urbana e marginal (escolada em Rubem Fonseca), rádios especializadas em rock, discos de vinil, brincadeiras de rua, sorvetes de palito, bolachas mordidas por monstros, pirulitos com pozinho, bambas, kichutes, E.T. e Gremlins – um pós-tudo bastante caótico e louco para ser feliz. Mudar o mundo talvez não fosse a grande questão. Já não éramos como nossos pais, ainda que não tivéssemos a menor ideia do que realmente poderíamos ser.

Prestigiávamos o anonimato. Éramos solidários uns com os outros e preferíamos o entretenimento coletivo. Ouvíamos música juntos, íamos ao cinema em bando, lotávamos os campinhos para jogar bola e ocupávamos as ruas para brincar de queimada. Nossa maior ambição era encontrar um sentido para a existência. Era-nos estranha a ideia de uma vida alheia aos sentimentos mais gerais do mundo. Cantávamos a esperança em meio à hiperinflação e aos discos do Barão Vermelho, da Legião Urbana e da Plebe Rude. Pode parecer bem louco isto, mas cresci num país cujo momento só revelava democratas. Inconscientemente, tínhamos ódio e nojo da ditadura.

Não escrevo para colecionar fãs ou desafetos. Escrevo porque sei que vou morrer e, portanto, imagino deixar pistas sobre como é o mundo que sinto, experimento, sobre o qual caminho e realizo uma inocente poesia. Só isso.

...

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link