"As pessoas não gostam de coisas etéreas", diz Elizabeth, também conhecida como Sissi, interpretada por Vicky Krieps, uma das primeiras inventoras do filme a explicar por que o celulóide (e o filme) não se tornou um meio popular na Áustria no final do século 19, um dos muitos momentos irônicos no filme notavelmente etéreo “Corsage” (literalmente “Espartilho”), da diretora austríaca Marie Kreutzer, lançado (e premiado) na seção Un Certain Regard do Festival de Cannes de 2021 e em exibição no Cine Ouro Verde, até quarta-feira (18).

Desde que ela apareceu do nada, estrelando ao lado de Daniel Day-Lewis em “Trama Fantasma”, de Paul Thomas Anderson, Krieps tem sido a escolha de diretores que procuram uma atriz para interpretar a musa misteriosa a quem os homens ao seu redor a impedem de florescer. Mas a personagem que ela interpreta desta vez, a imperatriz Elisabeth da Áustria, completou 40 anos e está farta de homens, ou de qualquer pessoa dizendo a ela o que fazer. Chegou a hora de fazer as coisas do seu jeito e se divertir, ao invés de só as pessoas se divertirem.

O título (“Espartilho”) bem sugere que o filme é sobre uma mulher que vive constrangida na sociedade, mas a diretora também se delicia em mostrar como os homens da época são igualmente reféns da etiqueta social de seu tempo. A aristocracia tem que agir de certa maneira, e seu marido, Francisco José (Florian Teichtmeister), sente o peso do mundo em seus ombros – ele comanda o Império Austro-Húngaro. A situação política no país e em toda a Europa não é boa para quem é ungido de nascença, mas o fato de sua esposa quarentona já ter rugas e cabelos grisalhos é o que realmente fará dele motivo de chacota perante o povo. Então ele precisa de uma mulher mais jovem para se exibir e para ele mostrar que ainda é viril e forte. Sissi já está farta deste

tipo de marido e até se encarrega de encontrar um amante para ele.

Vicky Krieps como Sissi
Vicky Krieps como Sissi | Foto: Divulgação

É a Áustria de 1897, um tempo em que as mulheres têm a sorte de viver bem além dos cinquenta. E quando o fazem, os homens não gostam delas. A Imperatriz está entediada com a vida em palácio, especialmente agora que está lá apenas para desempenhar funções cerimoniais. As conversas com o marido costumam ocorrer em mesas infinitamente longas. Kreutzer usa habilmente a distância e o tamanho do enquadramento para expressar a natureza das relações ao longo da narrativa. Elizabeth

decide deixar Viena temporariamente e segue primeiro para Northumberland, na Inglaterra, para cavalgar e conhecer o nascente cinematógrafo; e depois para a Baviera, onde reencontra velhos amores e amigos, como o rei Ludwig II.

Seu filho mais velho não gosta dos rumores de que sua mãe está tendo um caso. Os ecos da história de Lady Di ressoam por toda esta obra, em cada bela moldura e em cada olhar sugestivo.

Tudo é contado com sensibilidade moderna, ao contrário do famoso retrato que Romy Schneider construiu de Sissi como uma jovem monarca obediente nos três filmes da personagem feitos para a TV entre 1957 e 1959. A diretora Marie Kreutzer acentua a perspectiva contemporânea por meio da engenhosa seleção musical, escolhendo temas modernos e então usando a bela música criada especialmente por Camille como parte descritiva da ação.

Não serão poucos que dirão que ela é filha ilegítima de “Spencer”, o filme de Pablo Larraín sobre Lady Di, e de “María Antonieta”, de Sofía Coppola. Mas “Corsage” é melhor que ambos. É um filme preciso, ousado e intrigante. Kreutzer e Krieps já

trabalharam juntos em “We Used to Be Cool”, sobre uma jovem mãe que enfrenta a maternidade, e aqui se ouvem ecos desse filme. É difícil imaginar que filmes melhores sobre um casamento sem amor e a luta de uma mulher sua independência apareçam este ano.