Selena Gomez aparece sozinha num cômodo que pode ser tanto um quarto de hotel quanto um confessionário no clipe de "Lose You to Love Me". O single, carro-chefe do recém-lançado disco "Rare", é o momento mais épico do trabalho, que chega depois de ela ter vivido términos de relacionamentos, um tratamento de saúde e problemas de depressão e ansiedade.

"Precisei odiar você para poder me amar", ela canta no refrão da faixa, que de certa forma introduz o contexto de "Rare". A música, melodramática e construída por uma base de piano e verdadeiras paredes de vozes - como no libertador single de 2017 de Lorde, "Green Lights" - apresenta tanto o sofrimento da cantora quanto sua volta por cima.

O último disco de Gomez, "Revival", que marcou a chegada à vida adulta da ex-estrela mirim da Disney, saiu em 2015. No pop atual, mutante, esse hiato de cinco anos está mais para uma década.

Mas a espera parece só aumentar a urgência de "Rare". "Lose You to Love Me" já se tornou a primeira música da cantora a chegar ao primeiro lugar da parada americana. No outro single do disco, "Look at Her Now", pop eletrônico pronto para as pistas, ela pesa decisões do passado e celebra ter se livrado de um relacionamento que a fazia mal.

Nos últimos anos, a cantora namorou astros da música pop, Justin Bieber e The Weeknd. Lembrando a amiga Taylor Swift, ela trata das decepções amorosas nas letras, sem citar os ex-namorados, como contraponto à exaltação do amor próprio.

Mas não só nos temas Gomez remete a Swift. Faixas como "Rare" lembram o pop enxuto e pessoal que alavancou a carreira da ex-estrela country a partir do disco "1989", de 2014.

Sonoramente, Gomez também não perdeu o bonde do pop nos últimos anos. Para a produção do single principal, "Lose You to Love Me", ela chamou Finneas, irmão e colaborador da maior revelação pop do ano passado, Billie Eilish.

Além dele, retornam os compositores americanos Ian Kirkpatrick e Justin Tranter, com quem Gomez já havia trabalhado em "Revival". A dupla sueca Mattman & Robin, de "Hands to Myself", é outra que volta a colaborar com ela.

Em "Rare", o EDM (electronic dance music) expansivo dá lugar a levadas e arranjos mais suaves, esbarrando no R&B e até no soul. É possível ouvir a influência de Lizzo (em "Cut You Off") e Janelle Monáe (em "Fun") e até da música latina, diluída em "Ring", cujas guitarras lembram o sample de Santana em "Wild Thoughts", single de 2017 de DJ Khaled, com vocais de Rihanna.

As duas participações especiais do álbum, dos rappers 6LACK e Kid Cudi, são periféricas, mas marcam dois dos momentos mais desacelerados do trabalho. O primeiro empresta versos à balada romântica "Crowded Room", enquanto o segundo surge cantando na emotiva "A Sweeter Place", cuja produção soa como alguma faixa antiga do parceiro de Cudi, Kanye West.

Leve, "Rare" é um disco de libertação de traumas com roteiro comum no pop dos últimos anos. Gomez se apresenta no momento de alívio posterior ao baque –que aparece só como sombra, incapaz de destruir o dia da cantora.

Selena Gomez não está na vanguarda do pop, mas "Rare" a reposiciona no imaginário do público -a estrela teen com data de validade se torna uma artista com nome e sobrenome. Pelo menos na própria carreira, a cantora de 27 anos vive seu melhor momento.

MÚSICA

Rare

Avaliação: bom

Selena Gomez. Interscope Records. Nas plataformas digitais