Saúde mental é um tema, por vezes, tratado como tabu pelos adultos, mas que tem ganhado espaço. Uma pesquisa do Instituto FSB, encomendada pela SulAmérica, demonstrou que 60% dos brasileiros que fazem terapia deram início ao tratamento durante a pandemia da Covid-19. O isolamento social que levou adultos a procurarem ajuda profissional para lidarem com questões de saúde mental, também impactou crianças e adolescentes.

A faculdade de medicina da USP (Universidade de São Paulo) monitorou 7 mil crianças e adolescentes de todo o país de 2020 a 2021. Os números revelaram que 1 em cada 4 crianças e adolescentes ouvidos pelo estudo apresentaram ansiedade e depressão em níveis clínicos durante a pandemia. Diferente dos adultos, as crianças têm muito mais dificuldade para entenderem o que estão sentindo e menos recursos de defesa, por isso, o amparo dos pais e da escola se torna fundamental.

AMBIENTE SEGURO

As escolas e salas de aula têm se tornado sinônimo de ambiente seguro para as crianças e adolescentes também quando o assunto é saúde mental. Desde a pandemia, quando os problemas nesse sentido ficaram mais visíveis, uma série de ações preventivas e efetivas em prol do bem-estar emocional dos alunos têm sido desenvolvidas em Londrina e no Paraná.

A Associação Senda percorreu oito escolas do município, seis estaduais públicas e duas privadas, em um ciclo de palestras de Inteligência Emocional na volta às aulas, com foco na ansiedade para alunos do 8º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. “Lidamos com alunos que tinham informação sobre ansiedade e saúde mental e alunos que não tinham nenhum tipo de conhecimento. Muitos alunos manifestaram crises de ansiedade durante o momento da palestra nas escolas, todos foram acolhidos e orientados a procurar ajuda”, conta Mariana da Silva Fernandes, psicóloga, sócia proprietária da Clínica Abertamente e presidente da Senda.

A experiência da Associação durante a primeira rodada de palestras nas escolas, deixou claro que saúde mental de crianças e adolescentes é um tema que precisa ser tratado com urgência. A partir do tema ansiedade, outras demandas foram levantadas pelos alunos e serão abordadas em uma nova rodada de palestras no segundo semestre como bullying, automutilação e suicidio.

“Todo e qualquer tipo de situação ou sofrimento está relacionada à saúde mental de forma direta, o bullying nas escolas e fora delas vem trazendo impacto negativo na saúde mental das crianças e adolescentes. Ferir ao outro com palavras, atitudes ou ‘brincadeiras’ pode ser um ato muito prejudicial à saúde mental”, complementa a psicóloga.

A Senda conta com 11 psicólogos associados e realiza 22 atendimentos sociais gratuitos por semana, de demanda espontânea ou encaminhados de instituições da cidade. Psicólogos que queiram se associar e fazer parte do trabalho voluntário podem entrar em contato por meio da Clínica Abertamente no WhatsApp: (43) 9959-9130 ou e-mail: [email protected].

PROGRAMA VIDA

Destaque entre iniciativas escolares voltadas à saúde mental, o Programa VIDA - Valores, Inclusão, Desenvolvimento Humano e Afetividade - desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de Londrina está presente no levantamento de “Boas práticas de saúde mental em escolas: um olhar para 8 países” elaborado pelo Vozes da Educação em parceria com Fundação Lemann e também no documento “Recomposição de Aprendizagens: Estratégias educacionais para enfrentar os desafios da pandemia” do Instituto Natura junto à Fundação Lemann.

Boneco do Programa Vida, da Secretaria Municipal de Educação
Boneco do Programa Vida, da Secretaria Municipal de Educação | Foto: Reprodução

No levantamento, a iniciativa londrinense aparece entre outros 23 projetos executados no Brasil, Austrália, Chile, Canadá, Singapura, Reino Unido, Finlândia e Estados Unidos. O programa está em prática na cidade desde 2019, ou seja, desde antes da pandemia.

O primeiro passo foi a formação de diretores e coordenadores pedagógicos. Com a pandemia, as ações do Programa precisaram ser adaptadas para o modo online, mas se tornaram ainda mais importantes dentro do contexto que as crianças estavam vivenciando.

Toda a rede municipal de educação de Londrina tem acesso ao programa, cerca de 46 mil estudantes entre 87 escolas e 33 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). Os professores acessam os cadernos disponibilizados diretamente na página da prefeitura municipal na internet e trabalham a cada 15 dias temas como agressividade, preconceitos, bullying e vergonha.

Tudo é direcionado de acordo com as faixas etárias dos alunos. Vídeos de 5 minutos são transmitidos em aula, a relevância do tema e o interesse das crianças ganham o apoio dos alunos Vidinha, Kiko e Serena, três fantoches criados especialmente para gerar interação, vínculo e identificação. Com a volta das aulas presenciais os três estudantes da rede municipal de ensino de Londrina além de aparecerem nos vídeos, visitam as escolas. Confira o perfil dos bonecos no Instagram.

Após absorverem os conteúdos em sala de aula, os alunos são direcionados para uma roda, chamada de Círculos de Diálogo, um espaço seguro para que possam falar sobre suas vivências e sentimentos e também ouvir as demandas dos colegas. “Uma atividade sobre o mesmo tema é levada para casa, para que as crianças possam realizar em conjunto com os pais. Na pandemia nós conseguimos ‘ganhar’ os pais para mais perto da escola” complementa Carla Cordeiro, uma das gestoras do Programa VIDA.

Os desafios no Paraná e um app para tratar dos problemas

A saúde mental é um dos inúmeros desafios que a pandemia trouxe para a educação no Brasil. A partir do documento do Instituto Natura e Fundação Lemann, a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (Seed), passou a desenvolver um projeto em conjunto com o Instituto. O objetivo é pensar qual a melhor forma de entender o clima escolar, respeitando a privacidade dos alunos e dos professores, mas, ao mesmo tempo, tendo dados honestos sobre a situação de clima escolar e saúde mental nas escolas paranaenses.

“Os alunos acabaram de sair do isolamento social devido à pandemia de Covid-19, então temos uma série de problemas que já existiam antes da pandemia e que foram agravados, como brigas em escolas e bullying. Além disso, temos novos problemas que surgiram; os alunos estão muito mais conectados, alguma coisa que aparece no Tiktok ganha muito mais repercussão, então observamos isso com cuidado”, pontua Roni Miranda, diretor de Educação da Seed.

Evidências demonstram que, de fato, os alunos estão muito mais ansiosos, há mais casos de depressão e conflitos foram agravados. A pesquisa que a Secretaria pretende realizar vai, justamente, possibilitar o acesso a dados reais sobre os problemas de saúde mental nas escolas do Paraná.

O diretor de educação ainda ressaltou, que um aplicativo em parceria com a Universidade Estadual de Londrina também está em fase de teste. O app Bem Cuidar, tem o objetivo de oferecer apoio psicológico aos professores da rede e reforça: “a saúde mental dos estudantes paranaenses sempre foi uma preocupação da Seed. Nós tínhamos, antes da pandemia, todo um debate sobre competências socioemocionais e a importância de o aluno estar saudável para aprender melhor dentro de sala de aula. A pandemia, porém, acelerou essa necessidade de olhar para a saúde mental dos alunos”.