Mesmo que você nunca tenha ouvido falar em true crime, mas certamente já leu um livro, assistiu a um filme, a uma série ou ouviu um podcast que trata desse gênero cada vez mais em evidência no Brasil. Traduzindo do inglês, o termo significa crimes reais e, embora o surgimento das plataformas de streaming tenha contribuído muito para a popularização por meio de séries, a modalidade não é assim tão nova. No final dos anos 1990 e início da década de 2000, um programa chamado Linha Direta, da TV Globo, marcou época ao reconstituir crimes reais.

A Folha de Londrina lança no dia 26 de maio uma série de podcast focada no gênero true crime. “Banco dos Réus” (veja texto nesta página) conta as histórias de cinco mulheres vítimas de crimes emblemáticos, ocorridos em Londrina entre os anos de 1989 e 2019. A produção é da equipe do Grupo Folha de Londrina e estará disponível em seis episódios que entrarão no ar semanalmente.

Durante a produção dos episódios, a equipe da FOLHA conversou com o jornalista e cientista social Bruno Paes Manso, autor do livro “A República das Milícias - Dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro" (Todavia, 302 págs.), que foi adaptado pela Globoplay e Rádio Novelo e virou uma série documental em áudio.

A Rádio Novelo está se tornando uma referência na produção de podcast da linha true crime. É dela a criação de um expoente nacional do gênero, "Praia dos Ossos", que remonta a morte da socialite mineira Ângela Diniz, ocorrida em 1976 na praia que dá nome ao podcast, localizada no município de Búzios, no litoral fluminense.

Mais do que falar da fatídica noite de 30 de dezembro em que Leila foi assassinada pelo namorado, Doca Street, as criadoras da série procuraram analisar o que era ser mulher na década de 1970 e o que é ser mulher no Brasil atualmente.

É justamente esse aspecto que séries como "Praia dos Ossos", "A República das Milícias" e "Banco dos Réus" têm em comum. Não falar apenas sobre o crime, mas abordar outras questões que estão em torno dele, como o sistema de justiça, o feminicídio, a corrupção, as deficiências da polícia na investigação e elucidação dos casos. "A gente está discutindo o crime, mas de alguma forma está discutindo outras coisas", afirmou Bruno Paes Manso.

Mas por que o gênero true crime vem despertando tanto interesse do público e ganhando mais apelo no ambiente de produção, com financiamento em vários canais? "Hoje, essas história de true crime substituem os romances ou complementam os romances de mistérios, de terror, de investigação e, por isso, desde sempre atraíram muita gente, comentou o escritor.

Jornalismo e podcast

Manso explicou que, com "República das Milícias", ele encarou o desafio de criar um arco narrativo que ajudasse a entender a história do Rio de Janeiro, "ajudasse a juntar as peças do quebra-cabeça que eram muitas e pareciam um pouco soltas”.

Morando em São Paulo, o jornalista foi “provocado” pelo editor da Todavia, Flávio Moura, a fazer “um mergulho” no Rio de Janeiro para entender como operavam as milícias. O ano de 2019 foi de viagens ao Rio, apuração, pesquisa e entrevistas. Manso comentou que aproveitou no livro uma vasta quantidade de informações que já vinha sendo produzida por jornalistas do Rio de Janeiro sobre as milícias.

“Foi muito rápido, fui apurando no decorrer de 2019 com as viagens. Em 2020, veio a pandemia e eu mergulhei na escrita, entrevistei algumas pessoas para detalhes, em agosto eu entreguei e em outubro de 2020 foi publicado”, disse. “Eu dei sorte porque às vezes a gente fica um ano e a coisa não vem. Tive a possibilidade de conversar com pessoas muito representativas desse universo.”

Repórter com grande história na cobertura policial, Manso comentou sobre questões comuns que ele observava em suas apurações e que a Folha de Londrina aborda na série “Bancos dos Réus”, como as deficiências da polícia investigar assassinatos e o grande número de casos de violência contra a mulher.

“Uma falha muito grave do nosso modelo de segurança pública é apostar muito no patrulhamento ostensivo das polícias militares nos bairros vistos como perigosos”, comentou. “Investiga-se muito pouco a indústria do crime e as coisas que estão por trás de quem recebe, quem paga, quem compra, quem é o grande cabeça, quem é o fornecedor. Esse tipo de informação, sabe-se muito pouco porque as polícias civis são muito frágeis. Isso reflete também nos homicídios.”

Em pelo menos um caso da série “Banco dos Réus”, falhas nas primeiras horas após o crime atrapalharam as investigações. “Uma das máximas das polícias e das delegacias de homicídio é que esse momento inicial é fundamental para você descobrir algo. Mas quando você tem uma polícia pouco habituada a prestar contas e a resolver, deixa passar muitas oportunidades”, afirmou.

FEMINICÍDIOS

O autor de "A República da Milícias" chamou atenção para o fato de que a maioria dos casos de homicídios no Brasil são praticados por homens e são os homens as principais vítimas. Mas que essa minoria de assassinatos de mulheres são traumáticos e desestruturantes.

"Acho que foi muito acertada essa legislação do feminicídio porque é uma covardia quase sempre absoluta, muitas vezes decorrente do patriarcalismo, do machismo estrutural, como as pessoas falam, mas que quase sempre afeta não apenas um núcleo pequeno, mas que desestrutura uma família inteira às vezes por gerações. Matar uma mãe ou uma mulher e o ato covarde desse tipo de crime, muitas vezes, perpassa traumas que permanecem muito tempo, tem problemas com os filhos que ficam sem alguém para se comprometer com a educação deles. A mulher acaba sendo muito estruturante nesse papel de educação das crianças e de manutenção da vida cotidiana. É um problema seríssimo, apesar de minoritário, e que merece toda a prioridade em investigação e que realmente é algo inaceitável que as taxas brasileiras são muito elevadas".

BANCO DOS RÉUS

O audiodocumentário "Banco dos Réus", que traz as histórias de cinco crimes ocorridos em Londrina entre os anos de 1989 e 2019, está sendo produzido pela equipe do Grupo Folha de Londrina e estará disponível no formato de podcast, semanalmente, a partir do próximo dia 26 de maio.

O trabalho integra o programa “Acelerando a Transformação Di­gital”, desenvolvido pela Associa­ção Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), em parceria com o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, sigla em in­glês) e o Meta Journalism Pro­ject — Meta é a empresa dona do Fa­cebook.

A FOLHA foi um dos veículos de comunicação brasileiros selecionados para a participação, que conta com apoio financeiro da Meta e mentoria do jornalista Luís Fernando Bovo, diretor de Conteúdo e Operações do Estadão Blue Studio.

Imagem ilustrativa da imagem Saiba o que é `true crime´, gênero que a FOLHA traz em `Banco dos Réus´
| Foto: Gustavo Pereira Padial

Além dos cinco episódios, trazendo detalhes de cada um dos crimes em clima de suspense, principal característica das séries true crime, um sexto capítulo faz um debate sobre avanços e retrocessos das três décadas de recorte da série.

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