Roteiro criativo é um dos pontos fortes do filme que concorre ao Oscar em 3 categorias2/Mar, 16:18 Por Luiz Carlos Merten São Paulo, 02 (AE) - Há um culto a "Quero Ser John Malkovich". Desde que estreou nos Estados Unidos, no ano passado, habilitando-se a concorrer ao Oscar, o filme de Spike Jonze virou favorito dos críticos. Não são poucos os que o consideram o melhor do ano passado. Mesmo assim, "Quero Ser John Malkovich" não concorre na categoria principal, justamente a de melhor filme. Cabem vários adjetivos para definir seu roteiro. O mais adequado talvez seja original - por mais desgastada que a palavra esteja. Ou por mais estranha que seja numa indústria como a de Hollywood, especializada em reciclar o lixo, fazendo, monotonamente, filmes que se assemelham uns aos outros. Tudo começa quando o personagem de John Cusack - seu nome é Craig Schwartz - arranja emprego como arquivista num escritório. Schwartz é marionetista desempregado. Isso coloca imediatamente o tema da manipulação como essencial no filme. O escritório é uma piada. Situa-se entre dois andares de um prédio. Tem meio pé-direito. Schwartz tem de caminhar meio agachado lá dentro. Ao arredar um móvel, ele descobre um buraco na parede. Movido pela curiosidade, ele entra. Faz uma descoberta assombrosa. Trata-se de um portal para o cérebro do ator John Malkovich. Schwartz entra, vive durante 15 minutos como Malkovich e depois é expelido, sendo jogado na beira de uma estrada. Schwartz repete a experiência com a mulher, uma feiosa chamada Lotte (embora seja uma das atrizes mais belas da atualidade - Cameron Diaz). Lotte descobre a sua porção homem e desenvolve uma intensa paixão por Maxine (Catherine Keener, indicada para o Oscar de coadjuvante). Maxine tem a idéia de transformar a viagem pelo cérebro de Malkovich num empreendimento comercial. Forma-se uma fila de interessados em participar da experiência. A mais óbvia de todas as interpretações sobre "Quero Ser John Malkovich" é descartada pelo diretor. Embora as pessoas possam experimentar o gosto de ser Malkovich por exatos 15 minutos, antes de ser expelidas, ele diz que não foi sua intenção, nem a do roteirista Charlie Kaufman, parafrasear a célebre frase de Andy Warhol sobre o direito de cada pessoa a 15 minutos de celebridade. Isso está lá no filme, mas não é tão importante. Jonze quer falar, na verdade, sobre a identidade do desejo e a fragilidade das estruturas mentais, usa o portal para discutir a rede que conecta a invade a cabeça das pessoas, como um deus da era da comunicação. Nada mais atual, em plena era da massificação mais intensa, do que discutir a identidade e, mais do que ela, a individualidade de cada um. Numa cena, o próprio John Malkovich, vivendo seu papel, aparece multiplicado em numerosas figuras que compartilham com ele a tela nesse momento. Identidade e individualidade. O sexo é fundamental na confusão. Lotte (Cameron), assumida sua porção homem, quer ser o pai do filho de Maxine. E não se pode esquecer do chimpanzé aprisionado. Representa o instinto que as pessoas têm de reprimir em nome da civilidade. Na entrevista à reportagem, Jonze reafirmou uma coisa que tem feito questão de enfatizar, todas as vezes em que fala à imprensa. Convencido de que a história já é, por si só insólita, ele quis fazer um filme que fosse mais realista do que surrealista. Não chega a ser bem realista, mas causa certo estranhamento em "Quero Ser John Malkovich". O jogo de transferências e identidades (até sexuais), os velhos que pulam de corpo para corpo na tentativa de prolongar a vida, tudo isso poderia dar origem a uma comédia maluca ou, pelo menos, absurda. O tratamento do diretor faz com que ninguém corra o risco de morrer de rir assistindo a "Quero Ser John Malkovich". O filme nem é muito divertido. Oscila entre comédia e drama sem fazer rir de verdade, mas é, com certeza, fascinante como espetáculo de idéias.