São Paulo, 20 (AE) - Caçula de seis irmãos muito musicais, Rosa Passos começou a estudar piano aos 3 anos e, aos 5, completou os estudos - especiais para alunos infantis - de harmonia e teoria. Antes de saber o nome das notas, reconhecia-as. Tem ouvido absoluto, qualidade rara que distingue os muito dotados para a música. Aos 11 anos, Rosa Passos ouviu o compacto duplo (disquinhos de 33 rotações por minuto com duas músicas de cada lado) "Orfeu do Carnaval", com João Gilberto cantando. A vida mudou. "Mudou mesmo, mudou tudo", conta Rosa. "Vi que o meu instrumento era o violão e aquela era minha estética, minha idéia de beleza", diz. Aprendeu violão ouvindo João Gilberto. Colocava o disco na vitrola e estudava até tocar quase igual: preserva-se, na execução, a personalidade de Rosa. O padrinho era violonista clássico. Ajudou com noções, algumas. Rosa tinha seu caminho definido.
Ouvia a grande música popular do mundo inteiro, de Ella Fitzgerald a Nina Simone, de Etta James a Billie Holiday, de Dinah Washington a Shirley Horn. Esta última, aliás, é, hoje, sua fã declarada. Ouvia Cole Porter e Gershwin, mas principalmente Caymmi e João Gilberto. Quando saiu seu primeiro elepê, há exatamente 20 anos, um crítico chamou-a de João Gilberto de saias. Está certo, mas é um rótulo limitador.
Mesmo que música de Rosa Passos parta de João Gilberto - o pulso, as síncopes, o cuidado com a respiração (impecável), com a dicção (claríssima), com a dinâmica -, a música de Rosa, a combinação de sua voz e seu violão, é dela. Ela e João não são confluentes. Serão, talvez, paralelos. Para sempre - Seja como for, ainda hoje Rosa ouve - para aprender e aprender - o disco "Amoroso", de João, lançado em 1977. Pretende que seus discos tenham perenidade assim: "Que se tenha vontade de ouvi-los daqui a 30 anos", confessa. Por isso, cada obra é cuidadosamente construída, sem pressa, sem outra preocupação que não a de transportar beleza, encantamento. Imensa preocupação, aliás. A que deveria ocupar coração e mente de todo artista.
Acaba de sair um novo disco de Rosa, "Morada do Samba". De amanhã (21) a domingo, a cantora mostra o repertório no Sesc Pompéia, em São Paulo. Será acompanhada por uma banda de músicos paulistas, com a qual está felicíssima. São eles: Fábio Torres (piano), Teco Cardoso (sopros), Paulo Paulelli (contrabaixo), Marcos Teixeira (violão e guitarra) e Celso de Almeida (bateria).
"Morada do Samba" é seu terceiro disco pela gravadora Lumiar, de Almir Chediak. Nele, a cantora retoma seu trabalho de composição, interrompido pelos dois trabalhos anteriores, temáticos: um dedicado à obra de Ari Barroso e outro à de Tom Jobim. "Achei que já era tempo de cantar coisas minhas", conta Rosa. "Fiz a proposta e o Almir topou, até porque o público estava pedindo".
Rosa tem público no Brasil inteiro. Apesar de não ter música em trilha de novela e de pouco tocar no rádio (o que hoje pode quase ser considerado sinal de qualidade), Rosa é uma das poucas unanimidades brasileiras. Quem a conhece a adora. No dia 12, fez o lançamento de "Morada do Samba" em sua cidade natal, Salvador - lotou o imenso Teatro Castro Alves. Lota sempre os lugares onde se apresenta.
Seu espaço na Europa vem crescendo muito. Para este ano, tem várias viagens agendadas - uma turnê por dez países europeus
uma apresentação no Hollywood Bowl, nos Estados Unidos, uma excursão no Japão. Seus discos estão à venda no mundo inteiro e recebem elogios de críticos e músicos - o arranjador Clare Fisher é apaixonado por Rosa, o trompetista Paquito D Rivera, que a acompanhou em um circuito europeu de jazz, no ano passado, considera-a apenas a maior.
Músicas novas - O público pediu, Rosa fez oito músicas para "Morada do Samba". A canção-título tem letra de um de seus parceiros mais constantes, Walmir Palma: O samba fez de mim sua morada/ Chegou, ficou, jamais vai se mudar/ Me escolheu pra ser a sua amada/ E eu, menina, louca/ Para o samba namorar". Mas não deixou de cantar outros autores que admira: um Djavan do tempo de samba, "Beiral" ("É quase inédita, só ele gravou", lembra Rosa), dois Caymmis (Lá Vem a Baiana e Saudade da Bahia), um Paulinho da Viola pouco conhecido (Retiro).
Co-produziu o disco, assina vários arranjos (outros ficam sob responsabilidade de Lula Galvão, Gilson Peranzzetta), toca o violão precioso em quase todas as faixas. "Morada do Samba" é uma delícia. A cantora amadureceu, a compositora também, sem perder as características fundamentais: a intensidade contida pela voz aspirada, o calor temperado pelo minimalismo de definição da bossa nova, a inteligência filtrada pela emoção, a busca, o encontro, a interpretação definitiva. É ambição justa de quem não tem falsa modéstia.
No palco, Rosa avisa, a disciplina necessária à feitura do disco contamina-se um tanto pela emoção do público: "Baixa a negona, eu solto a voz, improviso" - quem já a viu ao vivo sabe: o balanço de Rosa é contagiante, irresistível. Ela é uma cantora perfeita, adjetivo que a poucos pode ser atribuído. Cativante: tem força e doçura, dengo e malícia, o sorriso sapeca que dá em todos vontade de sorrir. Sua grande música é o melhor que se pode desejar. Serviço - Rosa Passos. Amanhã e sábado, às 21 horas; domingo, às 18 horas. R$ 5,00 e R$ 10,00. Teatro do Sesc Pompéia. Rua Clélia
93, tel. 3871-7700