SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No dia 29 de setembro de 1986, uma segunda-feira, entrou no ar um programa de formato inédito na TV brasileira. O cenário circular, com o convidado rodeado por uma arquibancada de entrevistadores -o primeiro foi o então ministro da Justiça, Paulo Brossard- era um desafio para as câmeras. Foram necessários dois meses de testes para que os cortes de uma para outra acontecessem sem pulos.

Mas um erro básico surpreendeu a produção. "Colocamos gente de mais na bancada. Todo mundo queria falar ao mesmo tempo", ri Marília Assef, coordenadora-geral de jornalismo da TV Cultura. Marília está em sua terceira passagem pela emissora e participou da equipe que criou o Roda Viva, que completa 35 anos nesta semana entrevistando o ex-presidente Michel Temer.

De lá para cá, o programa passou por diversas fases, 15 apresentadores e cerca de dois mil entrevistados. Em 2019, com a chegada de José Roberto Maluf ao comando da TV Cultura, passou por mais uma reformulação, com novo cenário, novas diretrizes e duas novas apresentadoras -as jornalistas Daniela Lima, que ficou por menos de seis meses antes de se transferir para a CNN Brasil, e a atual titular, Vera Magalhães.

"Decidimos que a bancada seria formada apenas por jornalistas ou pessoas com experiência na área", conta Leão Serva, diretor de jornalismo da Cultura. "Também fomos cobrados a investir em diversidade na bancada e no centro da roda, convidando mais mulheres e pessoas não brancas. A cobrança do espectador é parte integrante da melhoria dos meios de comunicação."

O resultado é que o Roda Viva viu sua audiência praticamente dobrar no YouTube. O canal do programa na plataforma passou de 800.727 inscritos em 2019 para mais de 1,4 milhão atualmente.

As três décadas e meia do programa serão celebradas com o lançamento de um livro e de um site, onde estarão disponíveis todos os episódios -muitos deles, históricos. Como o de Hebe Camargo, que, em 1987, engatou num monólogo emocionado de 18 minutos, emudecendo a bancada.

Hugo Chávez fez parecido, em 2005. O então presidente da Venezuela fugia das perguntas. "Ele só queria discursar", lembra Carlos Taquari, que entrou como produtor em 2004, foi para outros programas da Cultura e, há oito anos, é o editor-chefe do Roda Viva.

O jornalista e colunista da Folha Mario Sergio Conti já havia sido entrevistado e integrante da bancada quando recebeu o convite para assumir o comando da atração. Sem experiência em TV, foi se aconselhar com Boni. "Vocês da imprensa escrita são chatos", ouviu do ex-todo-poderoso da Globo. "Se o cara não quer falar, tem que deixar quieto. Se ele for sem gravata, tire a gravata também."

Conti substituiu Marília Gabriela, que, entre 2010 e 2011, promoveu a maior mudança da história do programa -eliminou a arena e trouxe o convidado para uma mesa, onde estavam ela, dois jornalistas fixos, Augusto Nunes e Paulo Moreira Leite, e dois convidados.

O novo conceito recebeu muitas críticas, mas nem é dists que Marília mais se arrepende. "Não tive a clareza de perceber que eu não podia levar quem quisesse, mesmo se fosse para o convidado ser cobrado", diz. Segundo sua então diretora Maria Helena Amaral, ela acabou pedindo demissão quando a cúpula do canal exigiu que Alberto Goldman, então vice-governador de São Paulo, fosse entrevistado.

De fato, já houve muita reclamação de imposições e vetos de nomes pela TV Cultura. "O Roda Viva era percebido como um programa de propagação de ideias de direita", afirma Vera Magalhães. Ela e Leão Serva garantem que hoje têm total autonomia para convidar quem bem entenderem, sem interferências de cima. "Só não chamamos ninguém que seja antidemocrático ou negacionista -essa é a nota de corte", esclarece a apresentadora.

Vera se orgulha de ter trazido nomes poucos conhecidos que repercutiram bem, como o biólogo Atila Iamarino ou a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Ela agora se esforça em trazer Chico Buarque para o centro da roda. Seria a pacificação definitiva entre o programa e o compositor -em 2016, insatisfeito com o que via como um viés conservador, ele pediu para que sua música homônima deixasse de ser o tema de abertura do Roda Viva.

- Os 15 apresentadores do Roda Viva

Rodolpho Gamberini (1986-1987)

Augusto Nunes (1987-1989 e 2013-2018)

Jorge Escosteguy (1989-1994)

Rodolfo Konder (1990)

Roseli Tardelli (1994)

Heródoto Barbeiro (1994-1995 e 2009-2010)

Matinas Suzuki Jr. (1995-1998)

Paulo Markun (1998-2007)

Carlos Eduardo Lins da Silva (2008)

Lillian Witte Fibe (2008-2009)

Marília Gabriela (2010-2011)

Mario Sergio Conti (2011-2013)

Ricardo Lessa (2018-2019)

Daniela Lima (2019-2020)

Vera Magalhães (desde 2020)