São Paulo – O filme "Vous n’Avez Pas Encore Rien Vu" (título original) é sobre um famoso dramaturgo que convoca, postumamente, os atores que participaram de montagens de sua peça mais famosa, "Eurídice". O texto vai ser montado por uma equipe jovem, a Compagnie de la Colombe, e Antoine d’Anthac (é seu nome) espera que os colaboradores 'fiéis' avalizem por ele o talento da juventude. "É um filme sobre a teatralidade do texto e da encenação, e isso é o mais puro Resnais", define Anne Consigny, uma das melhores e mais premiadas atrizes de teatro e cinema da França. "Quando nos reuniu pela primeira vez para falar do projeto, ele disse que seria seu filme mais teatral, um filme de amor pelos atores, de amor pelo texto."
Tudo isso e mais o amor, a vida, a morte, o amor após a morte. Resnais, nonagenário, volta-se para o mito. Eurídice, que o amado Orfeu tenta resgatar dos mortos, é um dos grandes mitos gregos, como Ulisses e Helena. "Três atrizes se revezam no papel de Eurídice e Resnais não impôs um modelo a nenhuma de nós. O mais incrível é que ele tem sempre o filme ideal na cabeça, mas não o impõe à equipe. Ele não nos disse como interpretar/recriar o mito, mas com sensibilidade e persuasão, apelando ora para nossa emoção, ora para o intelecto, nos levou aonde desejava."
Anne conta que, no final de fevereiro, recebeu um telefonema de 'Alain'. "Ele ligou para me dizer que estava começando a filmar, mas, infelizmente, não tinha um papel para mim. Mas me tranquilizou - no filme do ano que vem, eu estarei, garantiu." Que carinho pelos atores. Não foi por acaso que Resnais formou essa família que já o acompanha há anos. A própria Anne foi incorporada em "Ervas Daninhas". Resnais adorou-a. Ela retribui.
"Ele é muito frágil, fisicamente, mas a inteligência e o entusiasmo estão sempre a mil. Trabalha muito com o intelecto, mas tenho a impressão de que a atividade física, o ato de dirigir os filmes, é que lhe dá energia." A reportagem o compara ao diretor português Manoel de Oliveira, de 104 anos - Resnais tem 'apenas' 91. Anne desanda a falar. "Tive o privilégio de começar no teatro com um texto de (Paul) Claudel, Le Soulier de Satin, que repeti depois no cinema, com Manoel (O Sapato de Cetim). Não é toda atriz que consegue fazer um texto desses em dois momentos da vida, na juventude e na maturidade."
O repórter faz uma confissão - seu coração carrega, como preferido, "Hiroshima, Meu Amor", o primeiro longa do autor. Anne diz que o Resnais dela é "O Ano Passado em Marienbad". "É um filme que hoje está mais novo do que há 50 anos." E revela - desenvolve atualmente um projeto para teatro com Emmanuelle Riva. A atriz de "Amor", de Michael Haneke, 'é sublime', diz.