Por onde andava Pery Ribeiro? Dentro de navios, cantando bossa nova em cruzeiros marítimos ao redor do mundo. Foi num deles que encontrou o maestro Norton Morozowicz, reavivando assim um antigo convite para se apresentar no Festival de Música de Londrina.
O convite foi refeito, aceito e finalmente concretizado com sua escalação na 22 edição do Festival. O show é hoje, às 20h30, no Teatro Marista. No palco, ele terá a companhia de Tito Freitas (piano), Ney Conceição (contrabaixo) e Herivelto Ribeiro (bateria). O repertório seria definido com os músicos, que chegariam ontem à tarde, depois da entrevista.
Entre as canções cotadas figuravam ''Alma'' de Sueli Costa, ''Super Homem'' de Gilberto Gil'', ''Lembranças'' de Herivelto Martins, ''Luz do Sol'' de Caetano Veloso e ''Flor de Lis'' de Djavan. ''Vou interpretar músicas dos compositores que sempre me acompanharam. Devo mostrar também algumas faixas do novo disco'' afirmou, ontem de manhã, logo após seu desembarque no Aeroporto de Londrina.
O novo disco, ''Boleros e Canções'', saiu pela gravadora CID. É o 40º álbum de sua carreira. Nele, Pery presta um tributo à sua mãe, Dalva de Oliveira, na música ''Que sabes Tu'', de Myrta Silva com versão de Pedro Alfredo Moraes Lentino. O tributo é um dueto no qual Dalva, falecida em 1972, ''canta com'' o filho por meio da inserção da voz de Pery na gravação original da música, registrada pela cantora em 1965.
''O resultado não ficou tecnicamente como eu queria. Mas valeu a intenção. O mais importante foi homenagear minha mãe'' revela. Outra novidade do disco é um bloco de canções interpretadas em espanhol. ''São três ou quatro músicas descobertas no baú. Uma delas é do Santana'' salienta. Pery, na verdade, está de passagem pelo Brasil. Desde 1998 mora nos Estados Unidos.
A mudança, segundo ele, foi tranquila. ''Sou um homem do mundo. Gosto de viajar. E, na América, a bossa nova tem grande receptividade'' diz. O cantor faz coro à tese de que o Plano Real trouxe benefícios à população brasileira como o maior poder aquisitivo e o fim da inflação mas ao mesmo tempo impôs um declínio cultural com o consumo popularesco nivelando por baixo o padrão de qualidade.
''Antes do Plano Real, o mercado fonográfico brasileiro vendia 30 milhões de discos'' observa. ''Hoje vende 90 milhões. Essa explosão trouxe uma enxurrada de axé music, pagode duvidoso, dança das garrafas, bundas na TV, letras chulas, tudo de mau gosto. Felizmente, essa fase parece estar passando. As pessoas se cansaram de tanta desvalorização. Começa a haver uma filtragem''.
Pery é adepto também da tese de que nada de relevante surgiu na MPB desde a safra de compositores revelada nos festivais do final dos anos 60. ''Quem é melhor do que Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara e Gonzaguinha? Não consigo me lembrar de ninguém. Se apareceu alguém talentoso, não pode ser comparado a eles'' enfatiza. Apesar de exaltar essa turma, Pery é da geração anterior, a da bossa nova.
Embora não tenha frequentado o célebre apartamento de Nara Leão, embrião do movimento, aderiu à batida sincopada preferindo a companhia de Agostinho dos Santos, Dick Farney e Lucio Alves. Mesmo longe da patota, foi o primeiro intérprete de ''Garota de Ipanema'', de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Gravou também, antes de todos, clássicos como ''O Barquinho'', ''Rio'', ''Vagamente'', ''Você'' e ''Nós e o Mar''.
Posteriormente, com a dispersão da bossa no país, passou uma temporada de dois anos no México ao lado de outros notáveis do movimento como Carlinhos Lyra, Lenny Andrade e Os Cariocas. Depois partiu para os Estados Unidos, onde montou o grupo Bossa Rio com Sérgio Mendes. A parceria durou quatro anos e meio, período no qual chegou a frequentar os sets de Hollywood participando de um filme.
Quando a mãe adoeceu, decidiu retornar ao Brasil. Dalva de Oliveira morreria dois anos depois. Nessa época, os compositores tropicalistas e de protesto subtituíam a bossa nova na preferência do público. De lá para cá, temperou seu repertório com boleros e canções românticas. Nas duas últimas décadas, caiu no ostracismo. Recentemente, esquecido pelas grandes gravadoras e fora da mídia, o cantor descobriu um novo espaço para mostrar seu trabalho.
Há três anos, faz shows em cruzeiros marítimos um mercado pouco difundido e que tem requisitado artistas excluídos dos palcos tradicionais. ''É uma porta que se abre para o profissional que vive de música'' explica. ''Os clubes fecharam e os empresários só querem saber de contratar artistas que consigam colocar milhares de pessoas nas casas noturnas. Não há mais lugar para aquele tipo de música mais artesanal, aconchegante. Fiz meu último cruzeiro de novembro a abril último percorrendo toda a costa brasileira. Cantei para 50 mil pessoas fazendo um show para cada turno de passageiros. Já fiz toda a costa do Caribe. E no próximo dia 20, farei o mesmo percurso''.
Antes, passa a limpo sua carreira para o público londrinense.