São Paulo, 06 (AE) - Há 35 anos uma jovem e talentosa atriz chamou a atenção de público e crítica ao interpretar a personagem Bianca na peça "A Megera Domada", de Shakespeare, dirigida por Antunes Filho. A atriz era Regina Duarte que comemora a data voltando às origens. Ao lado da filha Gabriela Duarte, da atriz Cláudia Lira e do ator Marcos Caruso, Regina volta a apresentar a peça "Honra, no Teatro Jardel Filho.
O espetáculo com texto da australiana Joanna Murray-Smith e dirigido por Celso Nunes terá uma sessão especial amanhã (07) para convidados e inicia temporada na terça-feira para o público com preços promocionais: R$ 20 (estudantes pagam meia-entrada). Norah (Regina) é a personagem central da peça, uma escritora que abandonou a profissão ao casar-se com o jornalista Guilherme (Caruso), com quem tem uma filha, Sofia (Gabriela). Quando tudo parecia correr às mil maravilhas no casamento, Guilherme apaixona-se pela jovem jornalista Cláudia (Cláudia Lira), obrigando Norah a mudar totalmente sua vida.
Sem clichês - Apesar do conhecido tema do triângulo amoroso, "Honra" procura fugir dos clichês desse tipo de trama
que em geral envolve uma dona de casa envelhecida, uma jovem bonita, burra, interesseira e um sessentão cego pela paixão. Além de bonita, Norah é uma escritora de prestígio, que publicou dois ou três livros de grande sucesso e casou com um homem inteligente que a admirava.
Mas a partir daí, resolveu dedicar-se mais ao afeto e a novos prazeres, entre eles cuidar da casa e da filha. "Ela é uma mulher madura que plantou ao longo da vida e agora sente estar colhendo os frutos", comenta Regina. Segundo a atriz essa é uma situação comum em vários relacionamentos. Mesmo talentosa, a mulher acaba cedendo o espaço do brilho intelectual para o companheiro. "Norah compara a emoção de ter uma filha ao recebimento de um Prêmio Nobel."
A personagem da jornalista também foge ao esperado no sentido em que é uma mulher inteligente que realmente se apaixonou por Guilherme. "Ela é ambiciosa no bom sentido e é claro que essa atração tem a ver com a posição que ele ocupa", diz Regina. "As pessoas de sucesso tornam-se atraentes porque há uma expectativa de que elas possam imantar seus companheiros com o seu prestígio."
Público jovem - Da mesma forma, Guilherme, ainda que inconscientemente, espera ser "imantado" com a juventude de Cláudia, outra expectativa bastante comum. "Passado o entusiasmo inicial eles vão descobrir que ninguém imanta ninguém", comenta Regina. A filha do casal, Sofia, terá um papel fundamental como intermediária na crise da separação. "Talvez por isso tenha ocorrido algo inesperado na primeira temporada: gente jovem saía emocionada do teatro dizendo que a peça retratou como nenhuma outra o seu sentimento diante da separação dos pais."
Também produtora do espetáculo, Regina foi responsável pelo convite ao diretor Celso Nunes que, como ela, há oito anos estava afastado do teatro. "Nunca havíamos trabalhado juntos, mas eu o admirava por direções de ótimos espetáculos como "As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant" (com Fernanda Montenegro e Renata Sorrah) e "Equus" (com Ricardo Blat)."
Como já havia feito em outros espetáculos, como Equus, Celso Nunes optou por exibir para o público o jogo teatral. "O público vê as coxias e a contra-regragem é feita diante do público", diz Regina. "É uma marca da direção de Celso: ninguém no palco está fingindo que aquilo ali é de verdade."
A proposta do diretor é deixar bem claro para o público o jogo cênico. "Estamos ali representando personagens que passam, cada um deles, por uma profunda transformação; nosso objetivo é apresentar ao público um texto inteligente, nada maniqueísta, por meio do qual esperamos provocar emoção e reflexão."
A primeira grande transformação da vida de Regina Duarte ocorreu alguns anos depois de sua estréia no teatro, com o estrondoso sucesso da novela "Minha Doce Namorada", em 1971. A partir daí, ela ficou aprisionada ao rótulo de "namoradinha do Brasil" e passou oito anos sem voltar aos palcos. O sonho de toda atriz - a popularidade - tornou-se pesadelo nos anos seguintes. "O sucesso da personagem virou uma camisa-de-força que me aprisionava a um tipo e a repetição sempre provoca o empobrecimento dos recursos do artista."
Em 1975, Regina resolveu livrar-se da namoradinha, pediu licença da TV por dois anos para buscar no teatro sua libertação. E encontrou. Ela brilhou no papel da garota de programa Janete, da peça "Réveillon, de Flávio Márcio. "Ela era uma garota cuja educação estava sendo negligenciada e começa a fazer programas", afirma Regina. "Era uma transgressora, porém ainda muito torturada pela culpa."
Atestado de maturidade - Culpada ou assumida, a transgressão da personagem valeu para retirar da atriz o rótulo de "doce namorada". Em 1978, ela atuou em "O Santo Inquérito", de Dias Gomes, e no ano seguinte era chamada para protagonizar a série "Malu Mulher, dirigida por Daniel Filho, uma espécie de atestado de maturidade. Por ironia, quase ocorre algo semelhante, tal o sucesso da personagem, uma mulher emancipada, batalhando pela conquista do reconhecimento profissional e pessoal.
De tempos em tempos, Regina voltava ao teatro para livrar-se de rótulos. Foi assim que testou sua versatilidade em peças como o musical "Miss Banana ou A Vida É Sonho", sob direção de Gabriel Villela. Suas incursões pelo teatro sempre acabavam por renovar sua atuação na TV. "Nem sei se as pessoas lembram, mas entre os trabalhos que eu destacaria está minha atuação na novela O Sétimo Sentido", comenta Regina. Nesse folhetim de Janete Clair, a atriz dividia-se entre duas personagens: Luana Camará, uma paranormal muito bem comportada e a atriz "baderneira" Priscila Capricci, que a primeira incorporava. "Essa novela me permitiu outras expressões, muito diferentes dos tipos submissos ou sofredores que vinha fazendo."
Nem é preciso dizer que todo o potencial de exuberância reprimido nas inúmeras heróinas de folhetim por ela vividas - Regina jamais interpretou uma vilã - explodiu no papel da viúva Porcina, da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes. "No começo eu duvidei da minha capacidade de interpretar uma personagem que considerava operística demais para o veículo; só lá pelo décimo capítulo achei o caminho."
Além do teatro, para onde sempre volta para renovar energias, Regina atuou em alguns filmes, entre eles "Lance Maior", primeiro longa de Sylvio Back e "O Cangaceiro Trapalhão", dirigido por Daniel Filho. Mas tem especial predileção por seu trabalho em "Além da Paixão, de Bruno Barreto. "Meu papel era o de uma burguesa que deixa tudo para viver com um traficante de drogas."
A sétima arte foi também responsável por um dos poucos arrependimentos da atriz. Em 1974, Regina foi convidada para interpretar o papel central em "Dona Flor e Seus dois Maridos"
um dos filmes brasileiros de maior bilheteria, mas recusou. "Foi por moralismo mesmo", lembra. "Eu não me sentia capaz de realizar aquelas cenas de sexo." Em 1986, ficou nua em "Além da Paixão". "Mas acho que agi bem, pois jamais teria conseguido fazer aquelas cenas em Dona Flor." afirma. "E Sônia Braga estava perfeita no papel." Serviço - Honra. De Joanna Murray-Smith. Direção de Celso Nunes. Dur. 100 minutos. De terça a sábado, às 21 horas; domingo, às 18 horas. R$ 20,00. Teatro Jardel Filho. Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 884, tel. 3105-8433. Até 13/2.