Após sofrer a invasão do “Feminejo” nos últimos anos - quando as mulheres passaram a disputar espaço dentro de um mercado até então dominado apenas por duplas masculinas - a música sertaneja começa a sofrer um novo “ataque”. Desta vez é comunidade LGBTQI+ que está chegando com força no universo musical mais popular do país. Entre os artistas que começam a despontar no movimento batizado de “Queernejo” estão Gabeu, filho do cantor Solimões (da dupla com Rio Negro), a transexual Alice Marcone, a dragqueen Reddy Allor e Gali Galó, que se classifica como artista não binárie, contore e compositore.

Gabeu conquistou o posto de príncipe do Pocnejo, Alice Marcone se mostrou a primeira mulher trans no gênero, Gali Galó trouxe a representatividade não binárie, Reddy Allor mesclou a arte drag com suas raízes. Em comum, os artistas do Queernejo compartilham letras bem humoradas e fusão de outros ritmos musicais dançantes que são agregados à base sertaneja.

Com o clipe de “Amor Rural”, lançado há dois anos, Gabeu conseguiu contabilizar 1,3 milhões de visualizações no Youtube. Composta por ele e Weel Bruno, a música tem versos provocantes e diretos, como “Vamo assumir o nosso amor rural / Sai desse armário e vem pro meu curral”. Unindo o pop e o sertanejo, o cantor também regravou “Cowboy Fora da Lei”, clássico de Raul Seixas, além de lançar parceiras com outros artistas queer, como Alice Marcone (“Pistoleira”) e Zerzil (“casinha no sertão”).

Leia a seguir entrevista exclusiva que Gabeu concedeu à FOLHA.

Gabeu -é um dos principais nomes do queernejo
Gabeu -é um dos principais nomes do queernejo | Foto: Silla H Divulgação

Como surgiu o movimento Queernejo?

O Queernejo surge a partir da necessidade de artistas LGBTQIA+ caipiras de fazer um resgate cultural sem apagar ou invalidar o fato de sermos queer.

Você encontrou muito preconceito desde sua estreia no meio sertanejo? Acha que esse cenário tem mudado?

Sim, todo artista queer que se propõe a subverter e ressignificar alguma coisa vai receber esses olhares. No meu caso, tem um público sertanejo mais tradicional que não entende ou que simplesmente não gosta do que estou fazendo, mas surpreendentemente, às vezes acabo esbarrando em pessoas que já eram consumidoras de sertanejo e que se abriram ao Queernejo. Mas ainda assim, acho que estamos distantes de uma mudança efetiva, não acho que eu esteja aqui para salvar o sertanejo e acabar com a homofobia no meio, eu infelizmente não tenho poder para isso, mas acho que o movimento Queernejo é o primeiro passo para algo mais grandioso no futuro. Eu sei o porquê e para quem estou fazendo a minha arte, quero cantar para pessoas que, assim como eu, cresceram em um contexto sertanejo, interiorano ou rural, que durante muito tempo parecia não fazer parte de nós.

Quais artistas te influenciaram musicalmente?

Eu tenho fortes referências em vários gêneros musicais, sou apaixonado por música country, tenho ouvido muito Orville Peck e Honey Harper ultimamente, mas também sempre fui muito fã da Lady Gaga. Busco inspiração em clássicos do sertanejo, como Cascatinha e Inhana, Leo Canhoto e Robertinho, Alvarenga e Ranchinho, Milionário e José Rico. E por mais que sejam coisas muito diferentes do que estou fazendo, me inspiro muito em artistas brasileiros contemporâneos que fazem um som que tem um toque de regionalidade, subversão e uma estética forte, Jaloo, Mc Tha e Linn da Quebrada são grandes inspirações.

Como seu pai (o cantor Solimões) reagiu à sua decisão de investir nesse segmento musical?

Ele me encorajou, sempre pontuou que eu devia fazer aquilo que me fizesse feliz, seja na música ou em outro segmento.

Como tem sido a receptividade do público em relação ao seu trabalho?

Eu recebo todo tipo de feedback! Uma boa parcela do público LGBTQIA+, consumidor de cultura pop, abraçou o meu trabalho, pessoas queer que cresceram com o sertanejo ao seu redor, algumas pessoas que já eram público do sertanejo tradicional, ou seja, tenho tido um respaldo de diferentes lugares. Claro que isso não é uma regra, existem pessoas que não gostam, que acham um absurdo, que se sentem extremamente incomodadas a ponto de virem até os meus vídeos, redes sociais e comentarem coisas que, sinceramente, às vezes chega a ser cômico.

Quais são seus próximos projetos profissionais?

Estou com meu primeiro álbum finalizado, pronto para ser lançado, ele está chegando no início do segundo semestre deste ano. Estou muito empolgado pois venho trabalhando nele desde 2019, é o maior projeto da minha vida! Dois anos de muita pesquisa, muita imersão na história da música sertaneja que resultaram no primeiro álbum de Queernejo.

Arte, liberdade e orgulho

Gali Galór canta a liberdade de ser quem é
Gali Galór canta a liberdade de ser quem é | Foto: Mah Matias/ Divulgação

Gali Galó é uma das idealizadoras do Queernejo, termo que nasceu em 2019 durante a SIM (Semana Internacional da Música), realizada em São Paulo. Durante o evento aconteceu o primeiro festival dedicado ao novo estilo musical. De lá para cá, mesmo em início de carreira, os artistas do projeto já conquistaram números significativos nos serviços de streaming, provando que o cenário musical sertanejo carece de diversidade.

Gali Galó canta sobre a liberdade e o orgulho de ser quem se é, bem como as sofrências que viveu sendo queer num ambiente machista, homofóbico e heteronormativo no interior de São Paulo, em Ribeirão Preto, sua cidade natal. Tocada de maneira atípica, a viola caipira de Galó incorpora a música de raíz, ao mesmo tempo em que flerta com a cena indie de São Paulo - cidade em que esteve radicada por mais de dez anos. O brega e o pop também se somam, resultando um tom irônico e bem humorado na sua assinatura. A artista Já tocou em grandes Festivais como o Festival Febre (SP), Psicodália (SC), Festival Catraca Livre (SP) e na Casa Natura Musical (SP).

Reddy Allor mistura a arte drag com suas raízes
Reddy Allor mistura a arte drag com suas raízes | Foto: Guilherme Martinez/ Divulgação

Reddy Allor atualmente trabalha na divulgação do recém-lançado EP “Ascensão”, que reúne quatro faixas inéditas. A artista começou sua carreira ainda criança, quando formou a dupla sertaneja Guilherme e Gabriel com seu irmão, no interior de São Paulo. A partir dos 18 anos, estreou como drag queen e aos 22 passou a integrar o "queernejo" misturando as raízes sertanejas com batidas pop. O trabalho da cantora drag pode ser conferido nas plataformas de streaming.

Pioneiras da diversidade

No momento em que o movimento “Queernejo”começa a ganhar espaço no país, a dupla Rosa & Rosinha anunciou o término da parceria musical iniciada há 28 anos. Formada pelos cantores José Renato Castro e Daniel Cardamone Sanchez, a dupla foi pioneira em trazer diversidade para a música sertaneja. Os artistas fizeram sucesso nos anos 1990 participando de programas de auditório sempre usando roupas cor-de-rosa e cantando paródias de músicas famosas e canções de duplo sentido. Em entrevistas para a imprensa, José Renato afirmou que o término da parceria se deu por iniciativa de Daniel, que alegou estar cansado.

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