O norte americano Dan Fogelman criou as séries televisivas (e alguns filmes) de maior êxito popular dos últimos tempos. "This is Us", de largo espectro e estreada em 2016, é o principal título assinado por ele, e até revelou como o melodrama pode ser recuperado na televisão, oferecendo às gerações recentes uma releitura do gênero e impondo novas tendências às fórmulas clássicas, que repercutiram positivamente na audiência durante 41 episódios vistos ao longo de três temporadas (Fox/NBC). Ingredientes absolutos: amor e dor.

'A Vida em Si": filme tem o propósito de apertar botões emocionais o tempo todo
'A Vida em Si": filme tem o propósito de apertar botões emocionais o tempo todo | Foto: Divulgação



Auto insuflado pelo sucesso na telinha, Fogelman está de retorno à direção de um longa metragem (seu segundo) para tela grande, e na esteira de sua dolorida saga familiar "This is Us", oferece agora outro exaustivamente emotivo drama familiar, de amplo arco temporal e geográfico, que leva o espectador a famílias diversas de ambos os lados do oceano para falar das tragédias da vida, do amor e dos paradoxos do destino. Vale a recomendação para quem se arriscar a enfrentar "A Vida em Si", em lançamento no circuito londrinense: kleenex em dobro. Triplo, para garantir.

Durante as quase duas horas do filme, se ouve várias vezes que "a vida é o narrador menos confiável que existe". Fogelman, também roteirista (ex-Disney: "Bolt", "Carros 2", "Enrolados" ) não é e pelo visto nem será o narrador mais confiável, mas alguém com quem deve-se ter cuidados. "A Vida em Si" é um desses dramalhões românticos de amplo alento temporal que cruzam membros de duas famílias, sempre com a decidida intenção de pressionar botões emocionais da plateia propositalmente emperrados. Um tipo de cinema que mede seu sucesso em volume de lágrimas derramadas e, portanto, reorienta as marchas e contramarchas do roteiro de acordo com esse objetivo, relegando coerência e credibilidade a plano secundário e distante, bem, bem distante, como diria aquela rainha má ao caçador deveria liquidar Branca de Neve.

Bem, tentando entender. "Vou falar sobre o significado da experiência humana", deve ter dito Fogelman a seus produtores. "Vou explicar como na vida tudo se conecta com tudo, a teoria do caos, a relação entre história e narração, a paixão e a dor, a vida e a morte". Infelizmente ninguém soube detê-lo a tempo, e então surgiu "A Vida em Si", uma desova gerada por essa mente febril, irreprimível e absurdamente banal. Este melodrama "cósmico" de várias histórias interconectadas, que desperdiça um ótimo elenco em uma série de anedotas trágicas, repete a intervalos regulares aquela frase, aquela da "vida é o narrador, blábláblá", como se para que o espectador menos avisado (ó céus !) fique inteirado de sua importância. E aquela frase é dona de uma grandiloquência que condiz com as aspirações do filme de abordar "temas importantes" tragicamente solenes, como a morte, o amor, a família e, claro, o destino.

Deve-se agradecer, pelo menos, a ausência de referências ao chamado efeito borboleta, segundo o qual uma simples vibração pode causar mudança radical no mundo. O que muda em "A Vida em Si" não é o mundo, mas a sorte de seus personagens. Fogelman os enreda a um sem fim de situações que vão do trágico ao fortuito, e de lá ao involuntariamente risível, deixando-os sem um instante de paz ou estabilidade.

Mas exatamente de que estamos falando? A esta altura do anunciado vale de lágrimas ou do "desgraça pouca é bobagem", um pouquinho de spoiler não vai fazer mal a ninguém. O filme começa em Nova York e encontra Will (Oscar Isaac, bom, aliás o melhor personagem) a ponto de ter um filho com Abby (Olivia Wilde, nem tanto). A primeira da série de tantas desgraças chegará quando ela sofre um acidente que o leva a um destino tão trágico quanto. Dali o filme segue para a Espanha, para a "hacienda" de um homem muito rico e muito só (Antonio Bandeiras, até que bem), que promove a capataz um de seus melhores empregados. Não vale adiantar mais nada, já que o efeito surpresa diante da escalada de desgraças e azares é um dos involuntários atrativos de um filme que, sempre via solenidade mumificada, submete o espectador a uma longa e instrutivo/didática jornada através de varias gerações das famílias envolvidas.

De volta à irritante grandiloquência que gruda no filme desde seu título e não o abandona jamais. Através de suas cinco histórias - se fosse um livro de contos, a sugestão seria: leiam só o primeiro e o resto... - este filme coral tenta, durante todo o tempo, uma profunda mensagem existencial: uma voz em off (Samuel L. Jackson, seguido de outros narradores), se encarrega de baixar a guarda do espectador enquanto diante de nossos olhos acontecem os episódios edificantes que tentam nos fazer rir e chorar (como a própria vida...).

Na ambiciosa tarefa de alinhavar e escancarar os personagens, "A Vida em Si" quer ser um épico sobre o amor, sobre os encontros e desencontros, sobre a vida golpeando as pessoas e a capacidade, a partir da resiliência, de reconstruir a partir do nada, do zero, novos e potentes vínculos e encontros. Não consegue. Porque é soap opera.
Porque falta a Dan Fogelman aquela centelha, aquele algo (muito) mais de um Coppola (a saga Corleone), de Robert Altman ("Short Cuts/Cenas da Vida", "Nashville"), de Paul Haggis ("Crash/No Limite"), de Iñárritu ("Babel") e até do mais vulnerável Claude Lelouch "Les Uns e t Les Autres/Retratos da Vida"). A deplorar ainda, o mau, desastroso uso do clássico algum de Bob Dylan, "Time Out of Mind"