Na cultura é comum termos figuras controversas, gente que às vezes causa polêmicas devido a sua percepção um pouco diferente do mundo. Essas pessoas precisam existir. Afinal de contas, a reflexão e o questionamento que trazem são essenciais para o desenvolvimento das ideias. Uma dessas figuras é o escritor, poeta e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna. O autor de ''Auto da Compadecida'' esteve em Curitiba para falar sobre arte popular e a construção da identidade cultural no País e, em especial, no Paraná.

Defensor da cultura nacional, principalmente do Nordeste, Suassuna, aos 82 anos, exibe vigor e lucidez de um guri. ''Não gosto de viajar, detesto. Avião é a pior viagem que tem. Só existem dois tipos de viagem: as tediosas e as fatais'', comenta, de forma espirituosa e bem-humorada, ao início da conversa com os jornalistas. O escritor esteve na capital com a caravana ''Vozes de Mestres - Festival Internacional de Cultura Popular'', na etapa curitibana do projeto Centro Cultural Banco do Brasil Itinerante.

Suassuna participou da mesa-redonda ''Brasil: quem somos nós e como chegamos a ser o que somos?''. Mas como é falar sobre esse assunto em um Estado tão heterogêneo como o Paraná, onde o fandango e o barreado litorâneos não são unanimidade; onde o Norte, influenciado por paulistas, é colonizado por ingleses e povoado por japoneses; o Oeste é gaúcho e a capital herda fortes traços das culturas alemã, polonesa e ucraniana?

''Olha, é possível uma unidade de contrastes. É o que mais me encanta no Brasil. Em uma outra vez que estive aqui, em Curitiba, fui recebido por um grupo de jovens tocando e cantando. O regente era descendente de polonês e escolheu um coco paraibano e um maracatu pernambucano para me receber, eles sabiam que sou paraibano mas adotado por Pernambuco. Ali tinha gente de todo o tipo. Tinha uma mocinha de olhos puxados batucando e cantando. Acho que o que tem de rico no Brasil é isso.''

Apesar de exaltar a riqueza do Paraná, Suassuna não deixa de lembrar que a influência estrangeira pode ser ruim. ''Acho que a gente tem que fortalecer o tronco. Senão, o que vem de fora, ao invés de ser uma influência que nos enriquece, passa a nos esmagar, descaracterizar e corromper'', alerta.

Criticado por não aceitar as influências estrangeiras, especialmente as que vem dos Estados Unidos, Suassuna justifica. ''Quando falo mal da arte de massa que nos fazem descer goela abaixo, não é porque vem de fora, não. É porque é ruim. Seria um ingrato se falasse mal só porque é de fora. Devo muito a Dostoiévski, que era russo; a Cervantes, que era espanhol; a Moliére, francês; e a Shakespeare, inglês.''

Independente se essa cultura de massa diverte ou não, o que preocupa Suassuna é a qualidade do conteúdo. ''O que mais me preocupa é nivelar pelo gosto médio. Porque gosto médio é pior do que mau gosto. Já vi alguns gênios com mau gosto. Mas gênios com gosto médio você não encontra. Balzac, por exemplo, tinha mau gosto. Mas nele, o mau gosto passa a ser uma característica e não um defeito. Agora, a pessoa pegar só o que tem de defeito e espalhar pelo gosto médio, aí não dá.''

Suassuna considera o que faz sucesso atualmente como efêmero. Para ele, eternos são êxitos como obras de Euclides da Cunha, Machado de Assis, Eça de Queiroz ou Villa-Lobos. ''Quando não existir nem mais os ossos da gente, Homero vai continuar sendo atual. Homero, Shakespeare, Cervantes... Quem vai se lembrar de Madonna no século 22 ou 23? Faço muito a distinção entre êxito e sucesso. Sucesso por natureza é uma coisa efêmera, passa logo. Duvido que você se lembre do nome do maior violinista do século 18. Também não sei. Você imagina então a banda Calypso do século 18...''

''A coisa mais melancólica do mundo é um roqueiro velho. Quando é moço, ainda vai. Vieram aí os tais Rolling Stones outro dia e nunca vi uma coisa mais melancólica que aquilo. Um bando de velhinho, mais velho que eu, fingindo de moço'', continua. ''Euclides da Cunha não tem nem um décimo do sucesso das maiores bandas de rock, punk ou funk. Mas ''Os Sertões'' é um êxito. Enquanto houver a língua portuguesa e um país chamado Brasil a gente vai saber que um homem chamado Euclides da Cunha escreveu um livro''

Da ''nova safra'', Suassuna reconhece poucos êxitos. ''Tem um livro chamado Lavoura Arcaica. Aposto nele''.

Essa visão sobre a cultura, os questionamentos e pequenas provocações, levam, no mínimo, a pensar sobre o que há de bom por aí. ''Outro dia, um cidadão me disse que admirava minha luta pela cultura brasileira mas que ele gostava da cultura americana. Pois eu lhe pedi para aceitar meus pêsames. Disse a ele: 'Mostre-me um escultor americano como Aleijadinho ou um compositor americano como Villa-Lobos? Não tem nada''.