Primeiro brasileiro a expor no Museu d'Orsay tem raízes em Londrina
Família revisita memórias da infância de Lucas Arruda na cidade e mostra como as paisagens londrinenses influenciaram seu trabalho
PUBLICAÇÃO
sábado, 21 de junho de 2025
Família revisita memórias da infância de Lucas Arruda na cidade e mostra como as paisagens londrinenses influenciaram seu trabalho
Pamela Destacio/ Especial para a FOLHA

Falta um mês para o encerramento da exposição de Lucas Arruda, "Qu’Importe le Paysage" (Que Importa a Paisagem), no Museu d'Orsay, em Paris. Aberta em 8 de abril, em cartaz até 20 de julho, a mostra marca um momento histórico: é a primeira vez que um artista do Hemisfério Sul realiza uma exposição individual lado a lado com obras-primas da Galeria dos Impressionistas.
LEIA TAMBÉM:
Nos cinemas, dragões e humanos: a paz difícil, mas não impossível
Com 34 obras da série "Deserto-Modelo", criadas entre 2013 e 2025, a exposição ocupa três salas destinadas ao movimento artístico, onde a luz das telas do artista brasileiro dialogam diretamente com as cores das pinturas de mestres como Monet, Pissarro e Sisley.
Lá, Arruda exibe imagens consideradas mnemônicas, que externalizam o que existe apenas em sua mente, flutuando entre o figurativo e o abstrato. São paisagens silenciosas, densas e de pequeno formato, muitas com menos de 30 centímetros, que evocam uma memória visual íntima e poética da natureza.

O título da exposição, que questiona a importância da paisagem, é inspirado em versos de Manuel Bandeira em "Poema do beco"; e se soma a outras referências literárias presentes no trabalho do artista. É da obra do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto que vem o nome da série, por exemplo, trazendo a ideia de um espaço vazio como lugar de rascunho e invenção.
Essa relação com a paisagem, elemento central em sua obra, guarda raízes afetivas que ligam Lucas Arruda a Londrina, cidade com a qual o artista manteve fortes vínculos quando pequeno. Embora nascido e criado em São Paulo, ele passou parte da infância na cidade do Norte do Paraná, onde familiares próximos viviam.
DOS JARDINS EM LONDRINA
Em suas férias escolares, Arruda visitava e passava temporadas com sua avó, Ozana Arruda, que morava na região central. Segundo lembranças de parentes, ela era conhecida pela sua paixão pela natureza e cultivava em casa um jardim com grande variedade de flores e plantas, que ajudaram a despertar a sensibilidade do garoto.

O contato próximo com belezas naturais se estendia para outros cantos da cidade, de piqueniques no Lago Igapó na companhia de primos aos passeios no então recém-inaugurado Parque Arthur Thomas. Quem compartilha essas memórias afetivas é Rose Arruda, tia do artista, que atualmente vive em Curitiba.
Para ela, essas vivências da infância ajudaram a formar a base do olhar poético que hoje encanta o mundo. É provável que a paixão do sobrinho por paisagens naturais, expressa em pinceladas calculadas, tenha se originado em solo londrinense. “Não é por acaso que ele tem uma pintura de mata intitulada Ozana”, associa a jornalista.
Ela destaca o fato de uma das exposições de Arruda ter recebido o título de "Assum Preto", nome que, segundo ela, pode ter relação com as viagens do artista ainda pequeno com o pai, de São Paulo a Londrina. “O pai o distraía chamando sua atenção para as paisagens,
as mudanças de cores no céu, as culturas agrícolas, e cantava. Uma das músicas do repertório dele que mais chamou a atenção de Lucas foi 'Assum Preto', de Luiz Gonzaga. Mais tarde, quando começou a desenvolver pesquisas sobre a luz na pintura, uma de suas principais áreas de interesse, ele se lembrou da história do pássaro que cantava melhor quando era privado da luz”, conta.
AO CORAÇÃO DO IMPRESSIONISMO
Representado pelas galerias Mendes Wood DM e David Zwirner, a presença de Lucas Arruda no Museu d'Orsay integra o calendário do Ano do Brasil na França, iniciativa que promove eventos culturais entre os dois países e tem ampliado a visibilidade de artistas brasileiros em instituições de prestígio.
Mas o destaque no berço do impressionismo não é o único. O reconhecimento internacional do artista se espalha por outras galerias: ele também exibe uma retrospectiva de sua trajetória no Carré d’Art, museu de arte contemporânea em Nîmes, até 5 de outubro, e participa de uma exposição coletiva recém-inaugurada no Centre Pompidou-Metz, em Metz.
Aos 41 anos, ele marca presença em coleções permanentes de instituições como o MASP, em São Paulo, o Guggenheim, em Nova York, e o Centre Pompidou, em Paris, em meio à efervescência das artes plásticas no Brasil e no mundo.


