Devo minha primeira paixão a uma cantiga (que, de tão bonita, não considero infantil): “Se esta rua / se esta rua fosse minha / eu mandava, eu mandava ladrilhar / com pedrinhas, com pedrinhas de diamantes / só pra ver, só pra ver meu bem passar”.

Ainda não havia tevê no bairro em 1961 e, aos doze anos, eu era uma usina de hormônios já quase com altura adulta, mas toda noite ainda brincava com a meninada na rua. A brincadeira preferida dos meninos era o pique-salva, enquanto as meninas, na outra calçada, brincavam de mãe-da-rua e amarelinha.

Uma noite, esperando chegarem outros, fui até elas que, com seus peitinhos crescendo, iam deixando de ser meninas mas ainda brincavam de passa-anel, sentadas no meio-fio. Sentei ali também e, de repente, a que passava o anel ficou diante de mim e pediu que juntasse as mãos para receber o anel.

Quando ela se inclinou, pelo decote do vestido curto vi o começo dos seios e, como se viesse deles, seu cheiro suave e doce de menina, tão diferente do cheiro suado dos meninos. Enquanto uma passava o anel pelas mãos das outras, elas sempre cantavam alguma cantiga, e descobri que, além de bonita e cheirosa, ela cantava bem. E me apaixonei com ela cantando que “nesta rua, nesta rua mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração”...

Os meninos chegaram e fui para lá, mas passei o dia seguinte lembrando suas mãos, seu cheiro, seus seios e seus olhos. Noitinha, lá estava eu no meio-fio das meninas esperando aquela que, conforme a canção, estava roubando meu coração.

Eles chegaram mas continuei ali com elas. Eles vieram me chamar para nossa brincadeira heroica, enquanto elas pulavam amarelinha. Você virou menininha, disseram eles, mas continuei ali. O anel era uma tampinha de garrafa, e o coração bateu na boca quando ela me deu aquilo para ser o primeiro a passar anel.

Quando passei as mãos pelas dela, ela apertou, me olhando a sorrir, e temi me ouvirem o coração de tanto que batia. Então de novo os meninos vieram chamar, faltava um para o pique-salva e lá fui eu - mas no dia seguinte não voltei do colégio com eles, fui atrás das meninas, para ir vendo quem já andava na minha cabeça desde a manhã e até nas aulas, espantado de paixão.

À noite, lá estava eu com elas de novo e até pulei amarelinha. Os meninos não vieram me chamar e um até veio perguntar se eu ia mesmo virar menina.

Dia seguinte, fui resolvido a voltar do colégio com ela, quando outro doutra rua fez exatamente isso, os dois rindo e caminhando sozinhos! De longe, vi ele beijar sua mão diante do portão de casa, e o coração não batia, pesava.

À noite, no pique-salva, de longe eu ouvia elas cantando “se eu roubei, se eu roubei teu coração, tu roubaste o meu também”... e fui para casa antes da hora em que as mães chamavam das janelas.

Será que eu devia ter declarado minha paixão um dia antes? Sei é que ela namorou só aquele outro e casou com ele, enquanto eu casaria três vezes, então seria merecedor dela ou só a faria sofrer? Ou com ela ficaria para sempre? Não sei, só sei que sempre aperta o coração quando ouço ou lembro que “esta rua, esta rua tem um bosque”...