Histórias, lendas, registros, memórias compartilhadas por gerações através da tradição oral. A ancestralidade viva e presente nos passos da Preta do Leite ganha as estradas do Paraná, a partir deste mês, no projeto de circulação da pesquisadora, professora, cantora e atriz londrinense Edna Aguiar.

Aprovado pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Paraná, com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) do Ministério da Cultura, o projeto, batizado de Mundo do Meio, prevê a circulação da performance em duas fases - uma no primeiro e outra no segundo semestre de 2025, com apresentações em territórios indígenas, assentamentos e comunidades quilombolas numa ação de promoção da democratização do acesso à arte e cultura.

A montagem, que mistura teatro, contação de história e música, é o resultado ainda em construção, de uma intensa pesquisa de Edna Aguiar das tradições vivas através da oralidade feita de Itans, as narrativas míticas e sagradas da cultura iorubá, histórias indígenas, contos populares, canções tradicionais, elementos da cultura africana e consequentemente, seus efeitos sobre a cultura brasileira.

“Menina, você fala mais que a Preta do Leite!”, ouvia Edna Aguiar que da família ganhou o apelido amoroso de ‘Preta’. Ela mesma foi uma menina falante. “A Preta do Leite nasceu em mim de uma necessidade de um diálogo, de forma mais concreta entre a minha vida e a minha profissão. Eu sempre trabalhei com comunidades, com o lado B da arte, do teatro e com aquele de rua e a Preta veio para me dar uma independência intelectual em relação ao meu próprio trabalho. Eu decidi com ela que quero falar sobre isso. Costumo dizer que ela é uma persona minha, porque é uma personagem que está comigo desde criança”, afirma a atriz.

Ao 60 anos de idade, Edna Aguiar sente na personagem a confirmações das suas escolhas no longo caminho da arte. “A Preta, ela é uma mulher forte, decidida na sua comunicação. Seu objetivo é comunicar e assim também comunico, de forma muito clara e específica, as minhas ancestralidades. Sou neta de kaingang por parte de mãe e sou descendente de africanos por parte de pai e isso interfere de forma muito concreta e clara no meu trabalho, algo que eu ainda não tinha assumido. A essa altura, quis falar das minhas ancestralidades que foram subjugadas e apagadas durante tantos anos. Inclusive pra mim mesma. A Preta do Leite tem como objetivo maior informar”, diz.

A Preta do Leite também é uma mítica figura que existe no imaginário da cultura popular, presente em vários lugares do país, principalmente no Paraná e em Minas Gerais. Uma mulher preta, muito falante, que saía ainda de madrugada de sua casa para levar leite de porteira em porteira, parando para prosear, saber e contar as novidades com quem quer que encontrasse.

O problema é que às vezes, quando chegava no fim da viagem, o leite já estava coalhado de tanto que ela parava para papear. “Ela cumpria a função de informar as pessoas do que acontecia dentro dos seus territórios, funcionava como uma rádio ambulante. Falar como a Preta do Leite significa prosear sem limites, falar pelos cotovelos, ser o leva-e-traz de histórias entre vizinhos”, explica Edna Aguiar, que dá vida a essa personagem desde 2010, quando descobriu entre suas qualidades de artista a de contadora de histórias.

A performance traça, através de sua escrita, uma perspectiva genuína dos acontecimentos históricos relacionados à colonização e extermínio dos povos negro e originários do Brasil. “Diz muito sobre uma mulher que viaja pelo território complexo de seu passado, buscando nos Campos Gerais paranaenses onde cresci, os remendos de uma identidade brasileira devastada ao mesmo tempo, que mostra que é possível coexistir, para isso criamos pontes”, completa.

DIVISOR DE ÁGUAS

O projeto Mundo do Meio, com a Preta do Leite contando ancestralidades da cultura iorubá e dos povos originários do Paraná, é um divisor de águas para a artista, desde que começou a ser. “Tem sido um prazer muito grande só pensar no que vai acontecer, que visitar os quilombos, as aldeias indígenas e os assentamentos, que é onde estão os cafuzos. É uma realização pessoal e que faço com muito carinho porque significa uma extensão da minha própria vida”, explica Edna Aguiar.

Para Guilherme Kirchheim, diretor artístico do Projeto Mundo do Meio, não existem muitas concessões quando se trata de posicionamento perante a realidade e isso seria o resultado de décadas de trabalho que ajudaram a formar o caráter da atriz com um currículo que inclui trabalhos com importantes nomes do teatro brasileiro.

Edna Aguiar mantém colaborações ativas há mais de 30 anos, o que revela a consistência do seu próprio trabalho na construção dessa personagem que encarna outra, ainda presente no imaginário popular: a mulher faladeira que no seu balaio leva as melodias e histórias que pertencem às raízes ancestrais da maioria dos brasileiros. “São tesouros que sobreviveram através das tradições orais, e que a Preta do Leite nos faz reviver com sua narração viva, como se o espírito de cada história, de cada canção se revelasse às pessoas que ela vai encontrando pelo caminho. Edna Aguiar é brasileira de raízes indígena e africana e naquilo que ela faz, carrega consigo a possibilidade de nos recordar humanos através da relação e do encontro”, afirma o diretor.

ROTEIRO

A viagem da Preta do Leite pelo Paraná começa nesta quarta-feira (07) na Terra Indígena Barão de Antonina, em São Jerônimo da Serra. No dia 09, passa pelo assentamento Eli Vive, em Londrina, no distrito de Lerroville, e segue para a Terra Indígena Kaingang, no Centro Cultural Waré, em Londrina (dia 10); na Terra Indígena Kaingang e Guarani São Jerônimo, em São Jerônimo da Serra (dia 13). Segue depois para a Terra Indígena Kaingang do Apucaraninha, em Tamarana (dia 16), e ainda nos assentamentos Florestópolis (dia 23), Barra Bonita, em Primeiro de Maio (dia 24), Fidel Castro, em Centenário do Sul, no dia 31.

Em setembro, a Preta do Leite passa pelo Quilombo Restinga, em Lapa (dia 07), na Comunidade Remanescente Quilombola Rio Verde, em Paranaguá (dia 14) e encerra no dia 21, no Quilombo Paiol da Telha, em Guarapuava. Além das apresentações, o projeto prevê a produção de um curta-metragem documental a ser exibido nas comunidades visitadas, entregue ao patrocinador e disponibilizado no canal da proponente, para livre acesso. (Com assessoria)

SERVIÇO

Datas, horários e territórios

07/05 - 10h30 Terra Indígena Barão de Antonina, São Jerônimo da Serra

09/05 - 13h30 Assentamento Eli Vive I, Distrito de Lerroville, Londrina

10/05 - 11h Centro Cultural Waré, Londrina

13/05 - 14h Terra Indígena São Jerônimo, São Jerônimo da Serra

16/05 - 10h Terra Indígena Apucaraninha, escola da aldeia Barreiro, Tamarana

16/05 - 13h30 Terra Indígena Apucaraninha, escola da aldeia Água Branca, Tamarana

23/05 - 14 Assentamento Zilda Arns, Florestópolis

24/05 - 16h Assentamento Barra Bonita, Primeiro de Maio

31/05 - 15h Assentamento Fidel Castro, Centenário do Sul

Setembro 2025

07/09: Quilombo Restinga, em Lapa

14/09: Comunidade Remanescente Quilombola Rio Verde, em Paranaguá

21/09: Quilombo Paiol da Telha, em Guarapuava

Ficha técnica

Performance e Coordenação Geral: Edna Aguiar

Direção Artística: Guilherme Kirchheim

Produção Executiva: Cris Resende

Coordenação de Produção: Fernanda Nasser

Projeto Gráfico e Pintura Corporal: Daniele Stegmann

Gestão de Mídias Digitais: Thalita Deldotti

Fotografia: Valéria Felix

Videomaker: Stephanie Massarelli

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