Menos é mais até quando o assunto é positividade - aquela ideia de jogar para escanteio os pensamentos que consideramos ruins e focarmos apenas no lado bom de tudo o que acontece com a gente, ser sempre otimista. Mas a positividade pode facilmente se tornar tóxica, quando seu significado é distorcido. As redes sociais estão lotadas de hashtags com a palavra gratidão e a famosa #GoodVibesOnly (Apenas Energias Positivas). Em um mundo com tantos problemas, principalmente para quem vive no Brasil, ser mais positivo pode parecer a solução para uma realidade que parece que o que menos tem, é solução.

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Um dos primeiros perigos da positividade tóxica é a autossabotagem. De acordo com a psicóloga Maria Fernanda Delfino, alguém que demonstra ser positivo demais e o todo tempo, pode estar se auto sabotando, reprimindo o que considera ser o outro lado, a ‘negatividade’. “Os extremos não são saudáveis. Você ser positivo demais e a todo tempo nos leva a crer que a outra parte – negatividade - está inconsciente, e em algum momento fará força para emergir na consciência, ou seja, tudo que reprimimos demais vai fazer força para aparecer em alguma fase de nossas vidas. O que acontece é que muitas pessoas se escondem atrás da capa da positividade e reprimem os sentimentos tidos como “ruins”. Mas o que são sentimentos ruins? Raiva, tristeza, angústia? Estes são apenas sentimentos, assim como felicidade, gratidão, alegria e devem ser levados em conta tanto quanto os sentimentos positivos,” destaca.

No momento em que a raiva aparece, ou a tristeza ou a frustração, nenhum desses sentimento parecem bons, dói emocionalmente senti-los e imediatamente a gente busca entender e buscar uma saída positiva, ao invés de só sentirmos - e não senti-los é muito mais prejudicial. O contato com essas emoções renegadas também nos faz evoluir, assim como estar em contato com outras realidades, realidades nem sempre tão iluminadas quanto a gente procura, evoluímos quando furamos a bolha social que nos rodeia e quando nos colocamos no lugar do outro - isso também é ser positivo.

A positividade não é um remédio. É um estado emocional, impor que as outras pessoas sejam positivas é desconsiderar as experiências individuais de cada ser humano. Não basta pensar positivo para as coisas se resolverem, a vida é bem mais complicada que isso, principalmente para alguns grupos sociais como as mulheres, os negros, a comunidade LGBT. “É tanta positividade, amor próprio, “good vibes” que falar sobre as dores da vida tornou-se um tabu para a nossa sociedade. Devemos ser fortes e engolir tudo que sentimos, sermos positivos e esquecer daquilo que nos fere. Como isso pode ajudar alguém? Eu tenho observado uma intolerância à frustração, uma recusa do sofrimento e uma busca de soluções rápidas, afinal, não se pode sofrer, não temos tempo para isso.” coloca Maria Fernanda Delfino.

Fernanda Delfino: "O que reprimimos demais vai fazer força para aparecer em alguma fase de nossas vidas"
Fernanda Delfino: "O que reprimimos demais vai fazer força para aparecer em alguma fase de nossas vidas" | Foto: Divulgação

Não existe receita de como a vida precisa ser vivida, tudo depende das particularidade de cada um. A Maria Fernanda Delfino colocou a ideia de Completude, quando juntamos o lado positivo e o negativo, olhando para a totalidade das coisas e não apenas para um dos lados da moeda. “A grande questão é que se fala de uma perfeição que não existe. Estamos nos baseando em um padrão utópico e totalmente fora da realidade de todo ser humano. Quando o sofrimento tornar-se difícil de lidar, procure ajuda! Em tempos de “Gratidão” e “Good Vibes Only”, sobra pouco – ou quase nenhum – espaço para sermos seres humanos plurais,” afirma a psicóloga.