Após 40 anos dedicados à poesia escrita, o poeta Ademir Assunção acaba de entrar de cabeça no universo da poesia cinética, uma literatura criada para ser lida apenas em telas de celulares, computadores ou televisão.

Com uma exposição itinerante prevista para o próximo ano, alguns dos poemas animados já podem vistos circulando pelo whatsapp ou na página pessoal de Ademir Assunção no youtube. O projeto prevê 100 poemas animados e um vídeo-livro que será disponibilizado nas plataformas digitais.

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Fugindo das formas tradicionais, os poemas cinéticos são criados fora das dimensões do papel. São palavras e letras em movimentos que agregam cores e sons em imagens digitais. O projeto teve início em 2021 com poemas veiculados pelo whatsapp através da série “Poemas Animados na Pandemia”.

Com mais de 20 livros publicados e vencedor do Prêmio Jabuti de 2013 com “A Voz do Ventríloquo”, Ademir Assunção, a seguir, fala sobre poemas animados.

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. | Foto: AdemirAssunção/ Divulgação

Existem nomenclaturas e variações diversas para a poesia em imagem. Como você define a poesia cinética?

O termo “cinético” vem do grego “kineticóse” refere-se a “movimento”. Poesia, creio que todos concordam, é arte da palavra. Ou arte feita com palavras. O que venho criando são poemas em movimento. Nesse sentido, também podem ser chamados

de “poemas animados”. Não vejo diferença. Mas não se trata de pegar um texto convencional e colocar na tela do computador, ou da televisão, ou seja lá em que tela for, simplesmente com movimentos.

Envolve uma questão estrutural. Esses poemas só podem ser lidos, apreendidos, dessa forma, com movimento e som.

Você possui uma longa trajetória na poesia escrita com dezenas de livros publicados. Qual foi seu interesse pela poesia cinética?

Há muito tempo eu buscava formas de ir além da unidimensionalidade da escrita no papel. Criei alguns poemas visuais ao longo de 30 anos. Mas faltava o movimento que eu imaginava. Não tinha os meios para realizar, não dominava as ferramentas. Durante a pandemia, aprendi a utilizar programas de animação e de edição de vídeo. Vou dar um exemplo disso: o poema “Koan do Eterno Retorno”. Havia a ideia de fazer, literalmente, o sol se pôr no poema. Fiz uma versão visual, utilizando a letra “o” como uma circunferência vermelha. E, através de repetição e corte na circunferência, consegui fazer com que ela fosse diminuindo a cada linha, entre as letras. Com as técnicas de animação, consegui com que o sol/circunferência literalmente se movimentasse pela tela, verticalmente, passando pelas linhas, formando o texto, até desaparecer, até se pôr. Isso modifica completamente a leitura do texto poético.

Você considera que nas redes sociais a poesia animada encontrou um veículo propício para atingir um público mais amplo?

Olha, minha preocupação não é exatamente atingir um público maior, mas explorar as possibilidades, como eu disse, de ir além da unidimensionalidade do texto escrito. Algo que vem se desenvolvendo há muitas décadas, com os cubofuturistas russos, os futuristas italianos, os caligramas de Apollinaire e, certamente, a poesia concreta, no Brasil e em outros países. Imagino que muitos dos artistas desses movimentos iniciais, se tivessem os meios, teriam começado a desenvolver a linguagem poética neste sentido. Mas antes só havia o cinema. Hoje, com os computadores pessoais, as ferramentas estão à disposição. Tanto que, no Brasil, Augusto de Campos e Júlio Plaza, assim que tiveram acesso a essas ferramentas, passaram a trabalhar neste campo. Até onde sei, eles são os pioneiros da poesia cinética no Brasil. E estão entre os pioneiros em todo o planeta. Sobre as redes sociais, são meios de transmissão para chegar à tela do computador, do celular ou da televisão. E, claro, para este tipo de

poesia, são meios que possibilitam uma socialização mais ampla para o público. Principalmente o youtube, onde há uma perenidade maior.

Ademir Assunção: "Minha preocupação não é exatamente atingir um público maior, mas explorar as possibilidades, como eu disse, de ir além da unidimensionalidade do texto escrito"
Ademir Assunção: "Minha preocupação não é exatamente atingir um público maior, mas explorar as possibilidades, como eu disse, de ir além da unidimensionalidade do texto escrito" | Foto: Divulgação

Como são desenvolvidos os poemas? São criados como texto e depois transformados em imagens animadas? Ou são criados diretamente como imagens, sons e animação?

Todos, na verdade, são textos. Mas texto para ser “lido” de outra forma. Não utilizo figuras, ilustrações, imagens, a não ser as próprias palavras. Há um ou outro poema, bem poucos, que já existiam como, digamos, poesia de forma tradicional, em versos, estrofes, e para os quais criei uma versão cinética. Mas a absoluta maioria nasce já, estruturalmente, a partir da ideia da palavra em movimento. Não dá para reproduzir no livro ou na página da revista ou do jornal. Basicamente, começa pela ideia, passa por

uma pesquisa de fontes, tipologia, escolha de fundo da tela, as cores das próprias letras, o tamanho e o movimento que quero que elas façam. Na execução, utilizo dois softwares: um de animação, outro de edição de vídeo. Agora, estou utilizando também

um terceiro: um software de edição de sons, pois estou sonorizando os poemas. É tudo muito trabalhoso, mas extremamente prazeroso.

Alguns consideram a poesia cinética uma extensão da poesia concreta, outros não. Qual a sua visão?

No meu caso e da maneira que concebo os poemas, tem sim um legado da poesia concreta, especialmente na busca de uma linguagem verbivocovisual (verbo, som e visualidade da palavra). Há que se considerar que a palavra, em si, já contém essas

três dimensões. Além do significado, ela é antes de tudo um fonema e, quando impressa, ou mesmo escrita à mão, um signo gráfico. A maior parte dos poetas atualmente negligencia essas três dimensões. Mas, o desafio maior, para mim, é obter maior grau de informação poética com as possibilidades da palavra em movimento. Há vantagens e há limites. É muito difícil imaginar uma epopeia cinética, por exemplo. Não creio que os poemas cinéticos acabarão com a poesia escrita, mas, sem dúvida, apontam

para outras formas de percepção da linguagem, diferentes maneiras de criação e, consequentemente, de “leitura”. Isso dá muito pano pra manga. Há um universo vastíssimo a ser desenvolvido.

Serviço:

“Poemas Animados”

Autor – Ademir Assunção

Onde – Disponível no canal “Ademir Assunção” no YouTube

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