Flavio Lanaro: "Quis escrever uma história que retratasse o sentimento de não pertencimento, de deslocamento em nosso próprio mundo"
Flavio Lanaro: "Quis escrever uma história que retratasse o sentimento de não pertencimento, de deslocamento em nosso próprio mundo" | Foto: Luiz Felipe Filgueiras/ Divulgação

Em seu novo romance, “Deserto Profundo” o escritor londrinense Flavio Lanaro faz da imagem do deserto uma analogia ao sentimento de não pertencimento ao mundo. Seja em jovens em processo de identidade. Seja em adultos com identidades devidamente estruturadas.

Em “Deserto Profundo”, Flavio Lanaro narra a história de quatro jovens amigos, Dylan, Miguel, Paulo e Layla, que partem para uma viagem pela região do Deserto de Nevada. O objetivo é encontrar o pai de Dylan, desaparecido há uma década.

Numa região enigmática onde teste nucleares são realizados, indígenas vivem refugiados e extraterrestres costumam aparecer, o grupo cruza com pessoas exóticas que oferecem diferentes leituras de mundo. Paralelamente, os quatro jovens também realizam uma jornada individual, uma viagem em busca de suas próprias identidades.

O grande mistério recai sobre a figura do pai de Dylan, Jack, um homem desencaixado do mundo que passa os dias olhando para o céu estudando os astros da galáxia. Um sujeito que abandonou tudo e todos para mergulhar no entendimento da desesperança.

“Deserto Profundo” está sendo lançado em formato e-book pela Amazon. A edição em papel deve chegar às livrarias apenas em 2021. A seguir Flavio Lanaro fala sobre seu novo romance.

“Deserto Profundo” é ambientado no Deserto de Nevada, Estados Unidos. Qual a razão?

Pretendi escrever uma história que retratasse o sentimento de não pertencimento, de deslocamento em nosso próprio mundo. Para reforçar essa analogia, decidi que a história se passaria próxima a um lugar onde, supostamente, se manifestaram aparições alienígenas, que é a região do deserto de Nevada. Mas a história poderia se passar em Marte ou em Nárnia. Gosto de pensar que Shakespeare nunca saiu da Inglaterra e escreveu sobre os reinos da Dinamarca, Escócia, Veneza ou Verona. Literatura para mim não é experiência, é criação.

Você também escolheu uma época emblemática para situar a história, o final da década de 1960. Por que essa escolha?

A escolha de época não foi intencional, apesar de ser um momento emblemático, onde todos também se sentiam estranhos no planeta, estavam esperançosos e desejosos de mudança. Acabou que os anos 1960 têm esse componente onde os jovens estavam em conflito com forças internas e externas, tentando se encontrar, na liberação sexual, nas drogas, na literatura, na música. Era um momento de experimentação. Mas o livro vai muito além disso, perpassa algumas décadas, até chegar nesse momento. Escrever sobre o passado que eu não vivi, um lugar que não conheci, me dá um distanciamento necessário para criar o meu próprio mundo literário e meus personagens.

O romance traz a história de um filho em busca pelo pai. Também traz a história de um pai que abandona o filho. Trata-se de um tema eterno?

No meu primeiro livro, “Árvore Cósmica”, o conflito entre pai e filho era determinante na história. A mãe da personagem também estava ausente por um acontecimento trágico. Em “Deserto Profundo” o mesmo fato não foi intencional, ocorreu sem que eu percebesse. Talvez Freud explique. Mas você tem razão, esse conflito, está impregnado no ser humano.

As personagens de “Deserto Profundo” passam por fatalidades e tragédias que determinaram suas trajetórias. Você considera que fatalidades e tragédias determinam o destino?

Sim. A vida é repleta de pequenas e grandes tragédias e elas determinam não só o nosso destino, mas a maneira como a gente encara a vida, como nos relacionamos com as pessoas e nossos vínculos com a religião, política, sociedade, ciência, por aí.

“Deserto Profundo” é um romance sobre a potência dos jovens. Paralelamente é um romance sobre a desesperança. Qual o sentido em unir esses dois elementos?

Percebi que, mesmo quando a gente envelhece, não fica mais fácil lidar com a esperança e o desespero, a aprovação e o distanciamento, a socialização e a solidão, o prazer e a frustração. Essas forças estão sempre se digladiando dentro da gente, na profundidade do nosso deserto interior.

Os jovens personagens de “Deserto Profundo” passam por experiências reveladoras, mesmo assim suas vidas seguem em frente sem grandes transformações. Sua intenção era fazer um retrato de uma geração que deseja mudar o mundo, mas não consegue mudar sua própria vida?

No pouco tempo em que se passa a parte principal da história, praticamente uma semana, os jovens amadurecem, lidam com suas possibilidades e frustrações. O mesmo não acontece com o personagem principal. Mas nada muda tanto assim na vida, por mais que a gente queira. A experiência frustrada da geração hippie e o sonho não alcançado, quando parecia algo possível, é um exemplo disso.

No período de dois anos você publicou dois romances. Existem outros livros a caminho?

Tenho uma história menor, já escrita, pela qual eu tenho muita simpatia, que se passa no Paraná dos anos 1950, e está inscrita em um prêmio de literatura. Espero poder publicá-la em breve. Outras ideias estão borbulhando e sigo em minha rotina, uma página por dia.

E o que é uma página por dia?

Uma página por dia é realmente uma rotina de escrever, um método onde me proponho a criar uma página da história todo dia. O enredo de “Deserto Profundo” foi desenvolvido em 6 meses, uma página por dia. No total, 240 páginas, 78 mil palavras. Adotei esse modelo depois de ver uma entrevista do Stephen King, onde ele revela escrever 6 páginas todo dia. É uma forma de me concentrar na produção da história e me obrigar a desenvolvê-la.

.
. | Foto: Reprodução

Serviço:

“Deserto Profundo”

Autor – Flavio Lanaro

Prefácio – Milton Antunes

Páginas – 201

Quanto – R$ 27,31 (e-book)

Plataforma – Kindle (Amazon)