FOLHAPRESS - O primeiro conselho para quem vai assistir "Perry Mason", nova série que a HBO vem mostrando em capítulos dominicais já há duas semanas, é esquecer que se trata de uma refilmagem do seriado clássico que a TV americana exibiu por nove temporadas nos anos 1950 e 1960. Em preto e branco, foi um dos primeiros programas que se passam num tribunal, em que a estrela é o advogado criminal do título.

O personagem foi originalmente criado pelo escritor americano Erle Stanley Gardner (1887-1970) e interpretado na TV e em vários filmes por Raymond Burr (1917-1993). Nessa versão, o papel ganha força e muito charme com a interpretação do britânico Matthew Rhys, de "The Americans".

O protagonista era para ser Robert Downey Jr., que acabou como produtor-executivo. Mas é difícil imaginar outra pessoa como Perry Mason depois de ver o trabalho impecável de Rhys.

O "Perry Mason" da HBO é bem mais sombrio que o seriado original. A julgar pelos primeiros dois de oito episódios que serão exibidos, há mais vulgaridade, mais crime, mais detalhes gráficos de violência e cadáveres que podem chocar o espectador sensível --mas também mais interesse, histórias mais intricadas, uma reconstituição de época excelente, que retrata bem a opressão da Grande Depressão, e muito sexo.

Aqui, na Los Angeles dos anos 1930 destruída pela pobreza, Perry é um detetive particular talentoso, mas passando por dificuldades financeiras e pessoais. Em flashbacks, ficamos sabendo que ele lutou na Primeira Guerra Mundial e parece sofrer de uma boa dose de estresse pós-traumático. Mora numa fazenda decadente que herdou da família e é proibido de falar com o filho de nove anos pela ex-mulher.

O arco dos dois primeiros episódios é a investigação sobre o sequestro de um bebê que termina tragicamente -e algumas cenas dessa história inicial são das mais chocantes. Na abertura do primeiro episódio, vemos um homem carregando um bebê enrolado em um cobertor.

Em outra cena, na frente de uma mala cheia de dinheiro, os pais de Charlie, o bebê, combinam com o bandido os detalhes da entrega do dinheiro e da criança. Então saem correndo em direção ao local mas descobrem que os sequestradores nunca tiveram a intenção de devolver Charlie vivo. Um detalhe adiciona mais horror ao desfecho dessa parte da história.

A trama envolverá a polícia de Los Angeles, gângsteres, a família do bebê e uma seita religiosa liderada pela Irmã Alice, da Radiante Assembleia de Deus, interpretada por Tatiana Maslany, atriz canadense mais conhecida por seus múltiplos clones na série "Orphan Black". Aqui, ela vive com vigor a personagem carismática que controla o público de seus cultos com um discurso emocionais e um bom coro de coadjuvantes.

As interpretações, aliás, são o ponto mais alto de "Perry Mason": além de Rhys e Tatiana, John Lithgow está ótimo como o advogado que emprega Perry Mason, Shea Whigman como o parceiro depravado do detetive e Lili Taylor como a mãe de Irmã Alice. Aliás, desde a exibição do segundo episódio, críticos levantaram a hipótese de o personagem religioso ser baseado numa personalidade real.

Nos anos 1920 e 1930, em Los Angeles, a Irmã Aimee Semple McPherson, da Igreja Quadrangular, era uma líder pentecostal que arrastava multidões para a frente dos aparelhos de rádio em pregações midiáticas e contra a teoria da evolução. Ela esteve envolvida num sequestro na vida real --no caso, o dela mesma, em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas.

Mas é o clima de filme noir o que mais impressiona nessa série. Provavelmente não vai converter quem não gosta do estilo, mas para os fãs desse tipo de programa esse é um entretenimento de altíssima qualidade.

PERRY MANSON

Produção EUA; 2020

Direção Ron Fitzgerald, Rolin Jones

Elenco Matthew Rhys, Tatiana Maslany, John Lithgow, Chris Chalk, Shea Whigham e Juliet Rylance

Quando Em cartaz

Onde HBO

Avaliação Muito bom